O Catálogo
O Grande casarão de madeira tinha três andares e um enorme sótão, onde eram guardadas as tralhas que já não tinham nenhuma serventia (velha mania de família em não jogar nada fora). Sendo que o acúmulo de objetos naquele escuro e empoeirado cantinho entre o teto e o telhado de madeira, talvez fosse o primeiro sinal do Transtorno Obsessivo Compulsivo que atingiu o neto algumas décadas mais tarde.
Naquela época, pela falta de material adequado e a abundância de araucárias na região, os casarões coloniais eram cobertos por pequenos pedaços de madeira de formato retangular medindo aproximadamente quinze por trinta ou quarenta centímetros. Essas “telhas” eram pregadas a estrutura aos moldes dos telhados atuais. Rodrigo freqüentemente machucava a cabeça na ponta dos pregos mal torcidos, mas o sótão era um de seus passatempos preferidos, adorava bisbilhotar tudo. Um dia encontrou o estranho livro e, mesmo não sabendo ler, logo se encantou com a infinidade de figuras contidas em cada página. Tratou logo de mostrá-lo aos mais velhos, pois queria saber como conseguir tudo aquilo. A única resposta que obteve, sem que qualquer um se dispusesse a olhar para o seu achado foi: “Esse catálogo é muito velho e empoeirado, quando você for à aula um dia desses, assim como Carlinhos, vais poder ler”.
No entanto, Rodrigo se apegou a àquele interessante livro, que agora se chamava catálogo, e nos momentos de solidão ou tristeza era a única companhia. Não demorou muito para perceber que com o tempo as figuras iam se modificando, no entanto, não entendia como isso era possível. Chegou a comentar sobre o catálogo com a professora logo no primeiro dia de aula. Já na aula seguinte, a professora folhou o catálogo rapidamente, observou algumas imagens já desgastadas pelo tempo e respondeu ao menino: “bonito seu livro, mas guarde-o, porque mais adiante vamos precisar de figuras para nossos trabalhinhos e então, você poderá utilizá-lo”. Rodrigo guardou o livro com todo o cuidado e com a certeza que jamais iria recortar nenhuma daquelas figuras que tanto gostava.
O tempo foi passando e muitas daquelas figuras já não lhe pareciam mais tão bonitas, pois as guloseimas, a bicicleta e outros pequenos brinquedos com os quais vivia sonhando, haviam sido ganhos e agora poderiam ser desfrutados. Com isso, o velho catálogo passou a não interessar mais e ficou esquecido num canto qualquer.
Rodrigo cresceu e o colecionismo que preservou a velha caixa com o catálogo se evidenciou no diagnóstico de TOC (Transtorno Obsessivo Compulsivo) e reapareceu quando um dos seus filhos o encontrou. Era como se a história se repetisse e mais uma vez ninguém deu qualquer explicação à pequena criança que se encantou com o velho catálogo. Os mesmos encantos do pai foram vividos por Júnior, que mais tarde também o abandonou para desfrutar outros objetos que ganhara.
A vida seguia, e o velho catálogo já não participava mais da vida daquela família. Rodrigo “curtia” sua monótona aposentadoria acompanhada da saudade dos tempos de infância. Até que um belo dia, junto com os brinquedos que os netos insistiam em espalhar pela casa, o velho catálogo reapareceu e inexplicavelmente estava novamente em suas mãos, no entanto, logo percebeu que não era por acaso, pois aprendera ao longo dos seus dias que o acaso não existia, sabia que estava diante de uma lição que ainda não compreendia.
O título lhe pareceu um pouco estranho, pois em letras grafais lia-se Catalogo de Desejos do Universo. Ao abri-lo, viu que o velho catálogo trazia o registro de tudo que conseguira na vida, tudo o que de fato desejou um dia, havia conseguido. Só então, entendeu que o catálogo tinha o poder de lhe dar tudo o que realmente quisesse, bastava pedir.
Era o verdadeiro gênio da lâmpada, pois abaixo de cada figura que era projetada conforme o pensamento, estava a frase: Seu desejo é uma ordem. Maravilhado com a descoberta, foi às pressas para a casa de cópias da esquina, a fim de fazer várias cópias e entregar um exemplar para cada um dos familiares queridos. Em poucos minutos já estava voltando para casa, com a certeza de ter solucionado todos os problemas da família, pois qualquer coisa que desejassem poderia ser obtida. Qualquer coisa mesmo bastava acreditar, entre bem material, saúde, relacionamento, enfim tudo era possível. Seu desejo é uma ordem, dizia o universo.
Envolto neste pensamento e em tanta felicidade, nem percebeu o ônibus que o atingiu, espalhando os catálogos pela avenida. Assim, Rodrigo partiu para a outra dimensão sem conseguir divulgar aos familiares sua grande descoberta. O papeleiro que passava, apanhou os papéis para vender na reciclagem e, com esse aumento na coleta conseguiu um dinheiro extra para comprar a boneca que sua filha tanto desejava. Nunca mais se ouviu falar do estranho catálogo, mas muitos afirmam que ele existe dentro de cada um de nós.