Jair A. Pauletto
O Singular do Plural
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Um dia com Dona Morte

Estava iniciando meu dia, com muita alegria, afinal aguardava com muita ansiedade há mais de vinte anos por aquela oportunidade. O estudo da natureza humana já havia avançado muito com as expedições interplanetárias, praticamente já sabíamos tudo sobre a organização social, os  hábitos alimentares e as forma de perpetuação da espécie. Entretanto não havia estudos quando a morte do corpo físico.   Esse era o assunto que me propunha a pesquisar, e, que após dois anos tramitando no conselho superior de estudos fui autorizado a fazê-lo.  Sabia que era um estudo pioneiro, mas jamais imaginei que pudesse despertar tanto interesse no conselho, quê prontificou-se a colaborar disponibilizando-me todos os recursos necessários.

 Logo no primeiro dia eu iria acompanhar a Dona Morte na sua rotina de trabalho. O inicio não poderia ter sido melhor.

Ao terminar de plasmar minha roupa de pesquisador, ela apareceu.

- Vamos lá meu rapaz! Estas pronto para o trabalho?

- Estou sim. Será um prazer acompanhá-la.

- Não gosto de conversa. Estou permitindo que você me acompanha para atender um pedido do conselho superior. É só por isso. Portanto, por favor, não me interrompa e fique de bico calado e, saiba que meus melhores amigos são os mortos, justamente por não falarem. E assim, também ficará bem mais fácil para nós dois. Ok.

- Pois não, senhora Morte. Farei o possível para não atrapalhar e prometo que só lhe perguntarei o estritamente necessário.

- Ótimo, ótimo. Pois, hoje não estou de bom humor.

Partimos rumo a terra e paramos em uma edificação, onde funcionava um grande Centro de Conferências.  Entramos em um enorme salão no segundo piso, que estava lotado de ansiosos ajudantes aguardando as orientações do dia.

Dona morte foi respeitosamente saudada por todos e, imediatamente iniciou as orientações para o trabalho do dia. Tratava-se de um encontro mensal com seus supervisores de área, para avaliação de resultados e projeção de novas metas. Logo, lembrei-me das convenções anuais das grandes empresas de vendas, que acorriam normalmente para alavancar as vendas.

Entre os debatedores, imediatamente tomaram a liderança, os supervisores das áreas da guerra, fome, tráfico e drogas, saúde pública e imprudência, que abrangia acidentes trânsito, entre outros.  Suas principais estratégias baseavam-se em reforçar a intolerância religiosa e racial, consumo de drogas, corrupção, ganância, enfim, tudo o que os humanos de bem tentavam combater. No caso, não havia muita preocupação em desenvolver planos de ação, pois sabiam que os próprios homens desenvolviam as mais avançadas estratégias, poupando-lhes o trabalho. Os últimos quinze foram reservados para a apresentação do novo software de gerenciamento de dados com os avanços módulos de apresentações estatísticas e controle de produção. Nele, eram disponibilizados vários relatórios, que podiam ser estratificados por sexo, causa da morte, faixa etária ou qualquer outra informação que se quisesse consultar. Rapidamente o encontro foi encerrado, e todos se dirigiram aos seus afazeres, enquanto eu acompanhava dona Morte em seu round diário.

Começamos pela região comercial da cidade e, sem demora, encontramos alguns homens estressados com os seus negócios, que foram os primeiros a serem incluídos na sua produção diária, assim como, alguns indigentes, uma senhora ranzinza e uma zelosa dona de casa que se dirigia ao trabalho.

Passamos de quadra em quadra e, em algumas, ela visitava as casas e retornava sorridente, embora nem sempre com  uma alma liberta, dizia que se divertia mais vendo os humanos se matarem aos poucos pelos seus sentimentos de inveja, ódio, rancor e preocupações matérias que lhe ceifar a vida num repente.

E foi assim o dia inteiro. Dona Morte fazia seu trabalho e os “anjos” encarregavam-se das almas. O Fluxo de subida era raro, mas a base das trevas estava com índices de ingresso elevado dificultando o controle de recebimento. Porém, foram criados somente naquele dia, mais de dois mil e trezentos novos cargos de supervisão o que certamente melhoraria o gerenciamento na recepção daqueles infelizes que lá ingressavam.

Dona morte ficava muito irritada, quando via que alguns de seus candidatos se restabeleciam e ela perdia a visita que considerava certa. Eram poucos casos é verdade, mas os que sabiam confiar em suas forças e tinham fé restabeleciam-se de suas enfermidades e continuavam a vida. Na verdade  irritava-se pelo temor que outros descobrissem o poder da autoconfiança e da fé, não por permanecerem vivos, pois sabia que um dia iria buscá-los, mas por medo que seus exemplos pudessem contagiar outros.

Antes do final da tarde, já havia cumprido seu dever, sendo que as demais mortes, programadas para aquele dia, seus auxiliares se encarregariam. Talvez até tivesse que trabalhar um pouco mais no inicio da noite dependendo dos efeitos de um carro bomba que estava sendo preparado no oriente médio, mas por enquanto, podia descansar.

Dona Morte sentou-se ao meu lado é disse:

- Sabe meu rapaz, estou ficando velha, no entanto, nunca pensei que os humanos pudessem facilitar tanto o meu trabalho. Sinto pena dos carregadores de almas que estão com excesso de trabalho devido aos constantes chamados que os homens me fazem. Minha produção está crescendo como nunca.

Curioso com a constatação resolvi perguntar:

- Quer dizer que os homens assumiram boa parte do seu trabalho e a senhora tem menos trabalho agora?

- Não, meu filho. Eu ainda trabalho muito, afinal, sou eu que executo todas as mortes, o que me foi facilitado, é o trabalho de encontrar razões para fazê-lo. É essa parte que os homens agora fazem por mim. É nisso que eu não tenho mais trabalho. Entendeu?

- Entendi, mas...

- Veja bem, eu tenho que cumprir minha tarefa que é aguardar o cumprimento da missão dos homens na vida física neste planeta, mas eles preferem jogar a oportunidade fora e antecipam seu retorno pelos seus próprios atos. Quem vai ganhando adeptos e engrossa seus exércitos, são as trevas.  Chega de conversa  que agora aquele bêbado vai atropelar aquela menina, e, eu tenho que trabalhar. De que adianta tantos auxiliares se ninguém esta por perto para ajudar quando se precisa.

Assim dona morte interrompeu seu descanso e saiu correndo para cumprir sua função com a pobre criança, e eu, aproveitei para fazer algumas anotações, antes de voltar para casa do meu primeiro dia de estudos.

 

Jaìr A Paùlétto
Enviado por Jaìr A Paùlétto em 22/08/2007
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