Jair A. Pauletto
O Singular do Plural
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A Menina que andava de Limusine

Naquele fim de tarde, o trânsito não o incomodava, mas a ansiedade já o dominava há dias.
Apressou-se para chegar no horário, não gostava de se atrasar, pensou em ligar para avisar que possivelmente se atrasaria por alguns minutos, mas o telefone não parava de tocar. Perigosamente, dirigia e falava mecanicamente ao celular. Assuntos profissionais, nada mais tinham importância, estava totalmente concentrado no encontro. Terminou de falar no exato instante que consegui estacionar, bem próximo da residência dela. Acessou a agenda e fez uma chamada rápida.
- Oi. Acabei de estacionar o carro. Onde você esta?
- Já estou saindo. Qual caro você está?
- Num preto, bem na esquina. Você vai ver, estarei esperando.
Desligou e fixou o olhar na esquina, aguardando a sua chegada. Em poucos minutos seus olhos se encheram de graça. A pouca luminosidade do final da tarde, deixava transparecer uma silhueta alongada e curvilínea, lembrou-se das medidas sessenta, noventa, sessenta do concurso de miss, tão falado naqueles dias. Talvez não fossem exatamente essas medidas, mas sabia que, o que se ama, sempre lindo e perfeito parece, apreendera ainda quando criança.
À medida que ela se aproximava, o coração acelerava e o frio do final de tarde dava lugar a um leve rubor.
Ficou anestesiado no banco do carro, contemplando aquele majestoso andar, sonhando acordado. A imaginação remeteu-o aos filmes de conto de fadas, estrelados pela boneca barbie. Pensou que já era viagem demais, pois, quando percebeu, estava abrindo-lhe a porta, até havia pensado em descer e abrir-lhe a porta gentilmente, mas apenas esticou o braço e continuou a “viajar”. Uma viagem bem real e emocionante. Os cabelos acobreados, o sorriso largo contornado pelos delicados lábios naquela face delicada, a tornavam ainda mais bela, ao ganhar o contorno da luz vinda de um pequeno estabelecimento ao fundo. Lembrou-se música do Armandinho, que diz que Deus tem dias de maior inspiração na criação, e certamente dedicou um desses dias para desenhá-la assim tão linda.
Um rápido abraço foi o suficiente para viciar-se naquela energia. Os momentos seguintes não puderam ser registrados, porque as células estavam deliciando-se com aquela presença, as que registravam a energia, saltitavam pelo corpo em cambalhotas de felicidade e as mais contidas, eram as do olfato que dançavam, enquanto registravam aquele cheiro de mulher inimaginável até aquele momento. Enquanto o cérebro agradava-se com as mais emocionantes reações químicas que ele mesmo desconhecia ser capaz de produzir, automaticamente viu-se dirigindo sem rumo definido.
Como se adivinhasse a festa que se passava em seu interior, certamente pelo visível estado de “perturbação” que ele se encontrava, ela sugeriu um aconchegante café. Prontamente rumaram para lá. No caminho, Beto repetia insistentemente sua alegria por aquele momento, obviamente que as expectativas eram ainda maiores, mas por hora, precisava acalmar-se internamente.
Totalmente atrapalhado finalmente deixa o carro no estacionamento em frente ao café. Como se retornasse a adolescência, não sabe como se aproximar, embora internamente desejasse abrigá-la em seus braços como se fosse uma criança de colo. Enquanto aguarda o ticket do estacionamento, ensaia a melhor maneira de se aproximar, inicialmente segura-lhe as mãos, louco para senti-la junto ao seu corpo num forte abraço.
Finalmente aproveita para na travessia da rua e puxá-a para junto de si, segurando a pela cintura, gesto que lhe parece ter sido bem recebido pela acompanhante.
Ao chegarem, atravessam rapidamente a pequena recepção e rumam direto para o elevador que os conduziu a alguns andares acima, onde se deparam com um amplo espaço. Lentamente dirigiram-se à entrada do café que ficava a alguns metros mais adiante. Porém num repente, trocam um afetuoso abraço. As reações químicas se aceleram. Resolve então a conduzi-la imediatamente ao café.
O ambiente é agradável, dividindo-se em dois, um interno e outro externo. Ela opta pelo externo, em formato de semicirculo, com vista para luzes da cidade tendo o mar como pano de fundo. A noite estava fria, mas não havia nuvens e, as poucas estrelas contrastavam com o fundo escuro do céu, pareciam envergonhadas diante da intensa luminosidade azulada da luz. Como que premeditadamente o raro fenômeno da lua estivesse ocorrendo exatamente naquela noite, complementando aquele belo cenário com canções da MPB, cantadas e tocadas ao violão por um simpático jovem.
Kika opta por uma mesa junto à borda externa, aproximadamente na posição - duas horas, um ponto com vista privilegiada para apreciar ainda mais aquela noite tão maravilhosa, enquanto o garçom gentilmente os atendia.
Havia muito a ser dito. O garçom simpático que os aguardava, cansou-se de esperar o pedido. As interrupções eram constantes, um querendo complementar o outro, o que já demonstrava a grande afinidade do casal. Após algum tempo, ela fez uma breve retrospectiva da sua vida amorosa, que ele acompanhava atentamente, como se estivesse revivendo os quadros que ela descrevia. Sentiu muita sinceridade no relato, e especialmente a enorme capacidade de doação e amor que aquela moça possuía e dedicava aos seus relacionamentos. Beto falou pouco de sua história, mas, foi sincero no que disse, dando ênfase às questões um pouco mais cinzas, ou talvez, menos nobres.
Queria que ela o conhecesse com seus defeitos e qualidades, uma vez que, se aquele sentimento viesse a aflorar como prometia, teria a certeza de que viveria um amor puro, verdadeiro e transparente. Obviamente que a conversa vinha regada dos mais variados caldos enzimáticos no processo químico interno, que tivera inicio naquela esquina há algumas horas antes. As reações eram as mais diversas. Conter-se, passou a ser uma das tarefas mais difíceis. Passavam dos mais nobres e acalentadores sentimentos, a desejos que beiravam a ações impróprias para o local. Aquela beleza observada inicialmente, agora podia ser observada em detalhes. Aquele rosto meticulosamente desenhado formava um conjunto harmônico com sua pele alva, com seus olhos hipnotizantes, lábios levemente brilhosos e sorriso fácil. A maciez da pele se fazia sentir no toque das mãos e face, que o remetiam ao colo, onde um colã marrom cobria-lhe os seios na exata medida, fazendo aflorar sua imaginação, no leve transparecer das delicadas formas, até limites quase selvagens.
Aqueles momentos certamente ficariam eternamente em suas vidas. Desejavam que fosse infinito, pois havia tantas coisas a ser ditas, mas o tempo não espera ninguém, nem mesmo pelo nascimento de um lindo amor, e muitas palavras ficaram a serem ditas.
A música já havia parado há algum tempo, mas, naquela magia já não fazia falta, o garçom pareceu entristecer com a saída do casal. O acesso ao elevador foi marcado pelo calor do abraço e o encontro dos lábios. Sensação, sintoma ou síndrome, afinal, não sabiam nomear o que se passava, mas sentiam que estavam felizes. Nunca havia vivido algo assim, parecia estar com a alma separada do corpo, flutuando junto com a de Kika. Sentia-se aconchegado com o encaixe dos corpos que, com o calor, aqueciam a noite fria. Momentos que foram repetidos no elevador, onde foram subitamente interrompidos pelo ingresso de transeuntes de um andar abaixo.
Todo o caminho de regresso foi saboreado lentamente. O clima já não era nervoso e formal como o trajeto da ida. Em menos de meia hora, Kika estava em frente a sua casa, agradecendo pelo pequeno vaso de gérberas vermelhas que segurava em sua mão direita.
Ele queria prolongar a despedida o máximo possível, afinal, em mais de trinta anos nunca sentira tantas e gostosas emoções como naquela noite. Mal sabia ele que já estava viciado por aquela mulher.
A luminosidade do luar ficou ofuscada por uma nuvem. Internamente as luzes do espetáculo da dança química iam se apagando na medida em que o último beijo ia ficando para trás.
Ela movimentava-se para ingressar em sua casa, com a mesma elegância e charme que havia sido seduzido ao encontrá-la no inicio da noite.
Ligou o carro e ficou pensando, como Deus podia ser tão generoso em colocar aquela criatura na sua vida. Agora sabia o que era viver e do que precisava para realmente VIVER. Feliz, dirigiu-se para casa, com a certeza de que o dia amanheceria mais feliz, o sol brilharia mais intenso e, finalmente choveria na sua horta..., Pensamentos ingênuos, mas exatos, que só caberiam em um homem sensível e apaixonado. Porém, não podia deixar de ouvir a razão, que desta vez estava ao lado do coração. Tinha certeza que os passeios de Kika não voltariam acontecer com o rapaz de limusine, com o qual, segundo no seu relato, tivera um flerte.
A felicidade era tanta, que há mais de dois anos ele está estudando línguas para encontrar as palavras que possam descrevê-la. Mas, este narrador somente poderá relatá-las a você, caro leitor, assim que Beto terminar seus estudos e enviar as informações.

Jaìr A Paùlétto
Enviado por Jaìr A Paùlétto em 16/06/2007
Alterado em 18/06/2007
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