Jair A. Pauletto
O Singular do Plural
Capa Textos E-books Fotos Perfil Livros à Venda Contato Links
Textos
Uma Prova Inesquecível.


- Boa noite. Desculpe o atraso.
- Psiu! Não perturbe os colegas - disse o professor.
Olhou para os colegas da classe e exclamou.
- Puts! Tem prova hoje.
- Pegue sua prova e sente lá no fundo.
Pegou a folha com as questões e outra para as respostas e dirigiu-se para o fundo da sala.
- Professor? Professor?
- Silêncio. Estamos em prova.
- Mas professor... É que,...
- Quer levar logo um zero rapaz. Não atrapalhe os colegas.
Rodolfo permanecia com a mão levantada e o indicador apontando para cima.
- O que foi agora?
- Posso fazer a prova na próxima aula?
- Que brincadeira é essa?
- Não é brincadeira, estive doente na semana passada e, não sabia que haveria prova hoje, logo, não estudei.
- Tens que estudar todos os dias. Deverias ter procurado os colegas para recuperar a matéria.
- Mas professor, eu fiquei afastado a semana toda e não tinha como...
- Chega de conversa. Concentra-te e faça as cinco questões em silêncio, POR FAVOR!
O professor tinha o hábito de elaborar a prova com seis questões dissertativas, dando ao aluno a opção de escolher cinco.
- Mas professor...
- Quieto, ou tiro sua prova, além de levar um zero, não vais poder recuperá-la depois - respondeu agressivamente.
Percebeu que não havia argumentos que o convencesse. E, como não havia opção, faria aquela prova surpresa assim mesmo, ou perderia o ano. Mas isso jamais deixaria que acontecesse.
Usou então sua última centelha de coragem e retrucou;
- Professor. Eu sei essa matéria, o problema é que ainda não estou me sentindo bem.
Ao ver a expressão e o olhar de reprovação do professor ficou preocupado.
- Devia ter ficado em casa e me apresentar o atestado médico outro dia. Agora chega – disse o professor.
Deu-lhe as costas e foi sentar-se na mesa, literalmente. Fazia isso em todas as provas. Dizia ser a melhor posição para observar os alunos de qualquer movimento ou tentativa de cola.
Aquela seria a última avaliação do semestre e, Rodolfo queria passar para o último ano do ensino médio. No entanto, aqueles meses pareciam se arrastar. Estava cada dia mais difícil de agüentar.
O esforçado aluno realmente estava com problemas de saúde. O médico que o avaliou ainda não tinha um diagnóstico definitivo já que, precisaria fazer uma série de exames para investigar a razão daquele sono repentino que o levou a “dormir” por mais de 30 horas consecutivas.
A única lembrança que tinha do episódio era que, ao retornar do colégio, comeu qualquer coisa, e deitou-se para dormir.
Agora sabia que sua rotina de seis horas de sono ganhara misteriosamente mais trinta. Além do impacto da surpresa em acordar num quarto de hospital e encontrar a mãe com os olhos marejados segurando sua mão.
Uma semana depois, já se sentia melhor, mas aproveitou o “apagão” para tentar fugir da prova, pois queria fazer uma boa prova e terminar o ensino médio o mais rápido possível.
Trabalhava oito horas diárias. O trajeto escola, trabalho e casa, eram longos e cansativos. Talvez o motivo da súbita internação fosse o cansaço, a má alimentação, alguns exageros de final de semana, as poucas horas de sono, enfim, era a soma de vários fatores desencadeados pela árdua jornada.
Essas eram apenas algumas das inúmeras razões para não repetir o ano. Portanto, sobravam-lhe razões para fazer uma boa prova e obter a aprovação.
Enquanto simulava responder as questões, lembrou de dificuldades maiores que já havia superado.
Para aprender as primeiras letras, precisou percorrer a pé mais de quatro quilômetros diariamente. Alguns anos depois, com o avanço dos estudos, precisou deslocar-se mais adiante, bem mais adiante. A escola que viera estudar ficava na cidade, cuja distância exigia que percorresse diariamente mais de vinte quilômetros, com ajuda da sua fiel bicicleta, é claro.
No alto do inverno, nas manhãs frias, gélidas, as pedras do caminho esbranquiçadas pela geada, além da fiel bicicleta e a resistente gripe, eram suas únicas companhias. Já o verão, era tórrido. Transformava a estrada numa grelha em brasas e poeirenta. As repentinas chuvas aliviavam um pouco o calor e refrescavam-lhe a alma. As tardes, os cansativos afazeres domésticos, completavam a rotina destes quatro longos e estressantes anos.
Em poucos minutos, relembrou dessa longa jornada e teve a certeza que a prova não seria um obstáculo intransponível.
A intransigência do professor para que fizesse a prova não lhe parecia justa porque realmente estivera doente. Puxa! Se ao menos um colega tivesse avisado. Como poderia adivinhar que haveria prova justo naquele dia.
Diante disso, não tinha mais dúvida. Estava sendo vítima de uma grande injustiça. A intuição lhe dizia que precisaria ousar, até enganar se fosse necessário, para não ficar sem a nota. Eis, que uma idéia surgiu assim que deixou de buscar argumentos. Restava-lhe ficar na espreita e executar o plano. No momento oportuno, ousaria e enfrentaria o professor.
O rígido educador era temido por todos, apesar de reconhecerem o profundo conhecimento que possuía da matéria. Era o alvo preferido das brincadeiras dos alunos, pois suas estranhas manias tornaram-se conhecidas, além dos limites daquele pequeno colégio.
Uma delas era usada para pedir silêncio. Ele atirava o giz contra a parede do fundo da sala. A outra, era a de exigir que em dias de prova, os alunos deixassem todo o material em cima de uma mesa, próxima à porta. Sendo essa a mais irritante, porque conseguia conferir à presença do aluno do inicio até o final das aulas.
Já as outras não incomodavam tanto, como a de ficar sentado naquela mesa vigiando os alunos.
Quando aproximadamente três quartos dos colegas ainda se debruçavam nas questões, Rodolfo finalmente tomou coragem e deu inicio ao plano para conseguir a desejada nota.
Deixou a cadeira lentamente e dirigiu-se a mesa do professor, que permanecia na mesma posição desde o inicio da aula, ou seja, sentado no canto da mesa com o olhar fixo nos movimentos dos alunos.
As folhas com as respostas, outra das inúmeras manias, eram depositadas na mesa, ao lado do professor.
Rodolfo deixou a sua folha de respostas naquela pilha e saiu apressado.
Próximo à porta, ouviu a voz do professor e estremeceu.
- Rodolfo?
Estremeceu como se uma lâmina transpassasse seu corpo, mas rapidamente se recompôs.
- Boa noite, Rodolfo.
- Boa noite para o senhor também. Professor.
Respondeu aliviado e apressou o passo. Queria sumir dali rapidamente.
Na aula seguinte, como de costume, chamava o nome dos alunos pela ordem alfabética para fazer a entrega da prova. Ao ouvir seu nome, Rodolfo levantou-se, porém, antes que pudesse dar o primeiro passo, o professor falou:
- Desculpa, mas você fica. Conversaremos depois. E chamou o aluno seguinte.
Não entendendo muito bem a razão, Rodolfo voltou a sentar-se, encolhendo os ombros para colega curioso que observava àquela situação. Limitou-se a repetir o gesto.
Efetuadas as entregas, o professor orientou os alunos para que permanecerem em silêncio e pediu a Rodolfo que o acompanhasse à sala dos professores.
Silenciosamente acompanhou o professor pelo estreito corredor que, ao entrarem na saleta, apontou para uma poltrona de couro, velha e rasgada e, falou:
- Sente-se, preciso esclarecer uma coisa com você.
- Pois não professor, o que foi que aconteceu?
- Algo muito grave – respondeu seriamente o professor.
- O que foi? Não me assuste.
- Você vai ter de fazer uma nova prova.
- Uma nova prova, professor? – respondeu com um ar de surpresa.
- É isso mesmo, não sei o que aconteceu com sua prova, mas ela sumiu.
Agora tentando transparecer espanto – Rodolfo respondeu:
- Como assim, sumiu? Logo essa prova, que fiz com tanto sacrifício.
- A questão agora não é essa, só tenho mais alguns dias para entregar as notas ao diretor e, a melhor alternativa é repetirmos a prova.
- Mas professor, fui tão bem nessa prova – surpreendeu-se com a própria segurança na resposta e a capacidade de improvisação.
- Como lhe falei, a prova desapareceu e não posso deixá-lo sem nota. Tomou mais fôlego e continuou:
- Você fica aqui e responde a esta outra prova, depois retorno para buscá-la.
- Não estou preparado. Não sabia que deveria fazer nova prova, além do mais eu já fiz uma prova.
Quando terminou de falar, pensou ser outra pessoa. Estava se desconhecendo. Como poderia falar aquilo, afinal, estava esperando por essa conversa e estudara a semana toda para repetir a prova.
Surpreso com a recusa do aluno e temeroso com a as conseqüências de sua negligência, o atônito professor ficou em silêncio por alguns segundos, e falou:
- Vamos ver suas notas nos trimestres anteriores, e pegou uma pasta com as notas.
Observou as notas com atenção, e em seguida propôs:
- Rodolfo, você é um bom aluno e tem boas notas. Vamos resolver isso de outra maneira.
- Outra maneira? Como? - emendou Rodolfo, pausadamente.
- Proponho que façamos uma média das três notas anteriores, e essa será a sua nota do último trimestre. O que você acha?
- Mas vai ficar em quanto? – falou isso, mas imediatamente arrependeu-se, parecia estar exagerando.
- Sete, ponto oito.
- Puxa! Professor. Só isso? - fui tão bem naquela prova.
- É uma boa nota Rodolfo – argumentou o professor.
- Está bem professor, ando cansado este semestre e, sinceramente, não gostaria fazer uma nova prova.
- Então está combinado, a nota vai ser essa e bico fechado.
- Claro professor.
- Agora volte para sala de aula.
Rodolfo tomou o caminho para a sala, mas teve que sentar-se no banco do corredor, pois as pernas não paravam de tremer, e o suor escoria pela face.
Não conseguia identificar o que estava sentindo. Seria uma sensação de culpa, remorso ou, uma vergonha misturada com satisfação e orgulho, não sabia identificar.
Após se recompor, tratou imediatamente de arrumar algumas razões internas para justificar o erro. Encontrou várias. Agora parecia se auto-aprovar e, com uma satisfação imensurável, retornou para a sala.
Somente mais tarde Rodolfo compreendeu a importância daquele “erro”, que passou a ser uma marca no seu aprendizado. Indiscutivelmente maior que qualquer prova de conhecimento especifico.
Foi a mania, do professor, de exigir que as provas fossem entregues de forma que as posteriores fossem colocadas sob as anteriores, que inspirou Rodolfo. Do plano à prática, foi necessário somente ousadia para entregar a “folha de respostas” em branco, levando o zeloso professor a concluir que havia perdido a “prova” com as cinco questões que nunca foram respondidas.
Rodolfo aprendeu muito com os estudos e, de modo especial, com a vida. Sabe o quanto esse tipo de atitude é condenável. Mas, talvez o maior aprendizado dessa fase tenha sido como não ser uma vítima, especialmente da rotina, um grande perigo atual, que vai do estresse ao seqüestro.

Jaìr A Paùlétto
Enviado por Jaìr A Paùlétto em 24/05/2007
Comentários
Capa Textos E-books Fotos Perfil Livros à Venda Contato Links