Jair A. Pauletto
O Singular do Plural
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Textos
O Filho do Padre

As visitas semestrais não serviam apenas para realizar os batizados, casamentos, bênçãos e demais funções da igreja, mas também para administrar os conflitos e as desavenças entre os colonos. O padre era a autoridade máxima naquela região. O verdadeiro representante de Deus na terra.
Aproveitava as visitas à colônia para fartar-se de salame, pão, polenta e, é claro, do vinho tinto.
A comida oferecida pelos fiéis, altamente calórica, acumulava-se no abdômen do sossegado padre, fazendo com que a batina tivesse que ser trocada com bastante freqüência. Enquanto que no ajudante, responsável pelas rédeas das mulas e demais apetrechos de viajem, as calorias eram a fonte da energia gasta com trabalho diário.
A barriga crescia dia após dia. E, não havendo mais meios para disfarçá-la, virou motivo de comentários entre os fies, deixando-o em constante preocupação. A alternativa seria aproveitar a visita que faria ao bispo na capital, e fazer uma consulta médica na Santa Casa.
O volumoso abdômen logo despertou o interesse de alguns médicos recém formados, ávidos para investigar novos casos.
A enorme pança era muito desproporcional ao porte físico do padre, logo virou motivo de zombaria entre os doutores residentes.
Vicente, o mais alegre dos jovens médicos, um ateu de carteirinha, jamais perdia uma oportunidade para aprontar um barulho.
Intencionalmente falou no ouvido do colega com uma sonoridade suficiente para que o padre pudesse ouvir.
-Isso só pode ser um daqueles casos de gravidez masculina que descobriram recentemente no velho mundo.
O padre, com o seu ouvido de tísico, imediatamente disparou.
- A igreja instituiu o matrimonio entre homem e mulher e, com a bênção de Deus procriar. É uma blasfema dizer que homem engravida.
Apesar da pouca idade, o médico sagaz insistiu na brincadeira.
- Padre! Estudos recentes demonstraram que em casos raros, o homem pode apresentar útero e até gerar uma vida.
Vendo o espanto do padre, senti-se incentivado para continuar.
- Recentemente numa cirurgia exploratória em um homem de quarenta e poucos anos, foi retirado de sua barriga um bebê saudável pesando mais de três quilos e meio.
O padre arregalava cada vez mais os olhos. Já o médico, fazia um enorme esforço para manter-se com a seriedade necessária, e continuava a explicação:
- A hipótese mais provável é que em alguns casos, como em certos vegetais, por exemplo, e outros pequenos animais, é possível que um único ser vivo apresente os dois sexos, possibilitando a fecundação interna silenciosa. Essas descobertas científicas ainda não foram aprofundadas, mas são utilizadas pela comunidade científica para explicar esses casos e, possivelmente o seu. Não é mesmo?
As palavras proferidas pelo doutor Vicente com tanta “seriedade”, foram aceitas pela ignorância médica do padre e avalizadas pelo silêncio dos demais médicos. Logo, se considerou um desses casos e descartou qualquer outra hipótese.
Os doutores retiram-se da pequena enfermaria e “rolaram” de tanto rir.
No dia seguinte, acompanhados pelo médico preceptor, não discutiram o diagnóstico na frente do paciente, simplesmente receitaram-lhe alguns medicamentos e muitas recomendações típicas de uma reeducação alimentar.
Ouviu atentamente, limitando-se a confirmar que havia compreendido as orientações, inclusive a de retornar em três meses para nova avaliação.
Retomou suas atividades junto aos colonos com as palavras do doutor Vicente, lhe martelando a cabeça. A ansiedade era tanta que abriu-lhe ainda mais o aguçado apetite e, obviamente fazendo com que a barriga crescesse significativamente.
Passados três meses, o padre, preocupado, retorna à Santa Casa garantindo que seguira todas as recomendações. Embora aquela protuberância abdominal fosse uma evidência contrária.
Na inexistência dos atuais equipamentos de diagnóstico e imagem, o procedimento de investigação só podia ser feito através de cirurgia. Nesse caso, o consenso da equipe foi optar por uma cirurgia “exploratória” para eliminar qualquer possibilidade de tumor ou algo similar. A cirurgia foi realizada e nada foi constatado, a não ser uma enorme camada de gordura que envolvia suas entranhas. Não havia nada de “errado” com aquela barriga. A solução estaria apenas numa dieta.
O jovem médico, que posteriormente viria a ser banido da instituição, resolveu brincar um pouco mais com o padre, supostamente “gravido”.
Aproveitando o efeito da precária anestesia, apanhou no berçário uma criança recém retirada da roda dos excluídos e colocou-a em seus braços.
Ao acordar com o bebê nos braços, o sacerdote praticamente surtou.
Surpreendendo até mesmo o médico zombeteiro. O padre se afeiçoou imediatamente à criança e pegou gosto pela possibilidade de criar “o filho”.
Agora a brincadeira havia ficado séria. Vicente e os colegas já não achavam mais tanta graça. Resolveram aproveitar a vergonha do padre para abafar o caso e manter a versão da gravidez. Afinal, estavam possibilitando um lar àquela pobre criança abandonada. Coincidentemente, a pedido do próprio, o assunto foi tratado como adoção num ato de generosidade do religioso.
Os jovens médicos selaram um pacto para que nunca mais se falasse no assunto, pois consideraram um final perfeito para aquela infeliz brincadeira.
Com o passar dos anos, a criança cresceu aos cuidados do padre e seu fiel ajudante. Estudou nos bons colégios da região e freqüentou os mais diversos ambientes, tornando-se prematuramente um adulto inteligente e experiente.
Num final de tarde quente, o padre já sem condições de manter-se em pé e vendo a morte chegar, chamou Agostinho para uma conversa séria.
Após inúmeros rodeios e incentivos ao rapaz, criou coragem e falou.
- Agostinho. - recebeu este nome em homenagem ao santo – tenho uma revelação importante para lhe fazer, antes que eu morra.
Agostinho ouviu calado. Era como se já estivesse esperando por aquela conversa.
Diante do silêncio do rapaz, continuou.
- Você é meu filho!
Sem demonstrar qualquer surpresa, até mesmo na expressão, em seguida falou.
-Eu já sabia meu pai, na verdade sempre desconfiei. Não se preocupe, esta tudo bem.
-Não filho. Eu não sou teu pai. Sou tua mãe. Teu pai, é o coroinha.
Jaìr A Paùlétto
Enviado por Jaìr A Paùlétto em 23/04/2007
Alterado em 30/04/2007
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