Jair A. Pauletto
O Singular do Plural
Capa Textos E-books Fotos Perfil Livros à Venda Contato Links
Textos
A tempestade

Eram seis horas da tarde e todos saíram apressados para pegar o elevador vazio. Nos andares intermediários e principalmente nos horários de pico, ele sempre chega lotado. Alguns sobem alguns andares na tentativa de conseguir o elevador mais vazio. Outros descem as escadas com a intenção de chegar mais rápido ou quem sabe até, praticar um pouco de exercício. Já os retardatários, após várias tentativas e minutos de espera, finalmente conseguem entrar no elevador, porém, sem antes ouvir aquela velha piadinha, “se usa Rexona, sempre cabe mais um”.
Mas, à pressa acaba quando todos chegam ao térreo, param forçosamente e se aglomeram na portaria do prédio para aguardar a chuva torrencial passar. Pois, não é que exatamente na hora da saída resolve desabar toda água possível. Alguns, com mania de perseguição, alegam que a empresa fez convenio com São Pedro para que chova no final do expediente, assim não faltariam ou se atrasariam para o trabalho, sempre visando prejudicar o podre trabalhador.
Entre os que aguardavam, havia as mais precavidas que exibiam seus guarda chuvas e saíam elegantemente, isto claro até chegar na calcada, então submersa, fez com que a elegância delas desabe mais rápido que a própria tempestade.
Alguns homens não se intimidam e aproveitam para se exibirem e saem mesmo abaixo de chuva.
Os que estavam em seu carro não perderam a oportunidade para oferecer carona. Outros, buscam o carro e retornam para estacionar bem enfrente a porta, torcendo para que as colegas preferidas entrem. As meninas mais assanhadas e algumas não tão meninas, mas igualmente assanhadas, dividiam-se entre as que se “atiram” na carona e as que preferem a chuva para exibir seus atributos físicos através da roupa molhada.
Calmamente a portaria vai esvaziando e o calvário para chegar em casa tem o seu inicio, pois não há transito que ande nestes dias.
As pessoas molhadas acotovelam-se nos coletivos com aquele perfume vencido desde o inicio da tarde, exalam um misto de peixe crú com vinagre de vinho tinto, tornando o final de tarde ainda mais difícil.
Os carros de passeio bloqueiam as ruas pelo excesso de água. Os mais apressadinhos buzinam sem parar e outros, gritam.
Já as idosas senhoras, elegantemente penteadas em seus carrões de vidro escuro, conduzem calmamente seus veículos e fingem não ouvir e ver o que está acontecendo, talvez pelo medo de perderem suas jóias, próximo ao sinal.
Essas são cenas típicas de qualquer grande cidade. Assim como, a cidade de Odisséia, lugar onde Fausto mora. Ele é um respeitável cidadão, guardião da família, moral e bons costumes e possui uma atração irresistível por chuvas torrenciais.
Desculpas não lhe faltaram para convencer Dona Dorinha, sua esposa, afirma gostar de ver a cidade alagada e colocar-se a disposição para ajudar alguém necessitado. Aproveita também para exibir-se pelas ruas com sua caminhonete cabine dupla importada.
Algumas horas depois do temporal, Fausto retorna e convida a esposa para rezar pelo menos um rosário, alegando agradecimento ao bom Pai pelo temporal ter sido leve.
No dia seguinte, como de costume, acorda cedo e começa a ler o jornal pelas páginas policias. Uma rotina que repetiu por vários dias. Enquanto isso, corre a boca pequena que no subsolo da cidade, há um enorme túnel, e que nos dias de chuva transforma-se em um enorme rio subterrâneo com capacidade de sugar os pedestres através das bocas de lobo.
O antigo túnel seria uma passagem secreta construída por ordem da Imperatriz, para a fuga dos primeiros moradores em caso de invasão de extraterrestres. Esses comentários ganham força após esses grandes temporais pelo fato de sempre desaparecer misteriosamente uma cidadã.
A versão é de que as pessoas seriam sugadas pela correnteza do rio, ganha respaldo porque as mulheres teoricamente teriam menor força física para resistirem às águas. Mas é claro, há controvérsias quanto a esta versão, visto que, jovens e crianças também seriam vitimas em potencial. No entanto, só belas mulheres acabavam sendo as vítimas, fato que tornava ainda mais intrigante esse mistério.
Fausto sempre acompanha, atentamente, através dos jornais e pelas conversas de botequim as repercussões pós temporal.
Ele, conforme rotina, hoje acordou cedo e desceu até a portaria para apanhar o jornal. Ao abrir sua página predileta, é interrompido pela campainha. Ao atender, é surpreendido por um homem fardado apontando-lhe uma arma e subitamente cai desmaiado.
Trinta minutos depois, Dorinha lhe trás um chá de camomila e explica que o porteiro fora enganado por um assaltante vestido de policial.
Fausto reanima-se, sem tocar no chá. Dorinha, ainda trêmula e muito nervosa, diz que perderam algumas jóias, um aparelho de Dvd e boa parte do dinheiro da aposentadoria daquele mês. Porém, e diante disso, inexplicavelmente percebe que o marido está com uma expressão de alivio e completamente feliz.
Jaìr A Paùlétto
Enviado por Jaìr A Paùlétto em 19/03/2007
Alterado em 10/05/2007
Comentários
Capa Textos E-books Fotos Perfil Livros à Venda Contato Links