Jair A. Pauletto
O Singular do Plural
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Textos
Um Servidor
Mantendo a tradição familiar, Motivaldo ingressou no serviço público há mais de 30 anos. Uma época em que a estabilidade e a aposentadoria integral ainda não eram tão valorizadas e não havia tanta competividade por uma vaga. Sentia-se orgulhoso pela investidura em cargo público, por prestar serviços para o governo, em especial ao cidadão.
Ser um servidor significava garantia de estabilidade, receber uma remuneração superior, comparado com o mercado da iniciativa privada, ou seja, segurança e tranqüilidade. Sua única preocupação era a família, e construir uma sólida carreira pública, assim como fizeram seus pais e avós.
No final do expediente, retornava para casa com a satisfação do dever comprido. Enfim, sua vida estava seguindo todas as etapas que havia planejado.
Vieram às mudanças políticas, a alternância do poder já era possível, uma grata satisfação, embora tivesse que ser contida, pois era um servidor do povo e não do governo.
Presenciou o despertar do povo pelos seus direitos e a ampliação dos serviços públicos com tranqüilidade. Era a evolução natural da sociedade.
A economia brincava na montanha russa, a família aumentou e as necessidades também.
Aos poucos, foi percebendo que seu planejamento não estava seguindo o rumo traçado. Fatores externos ao seu domínio começavam interferir. As incertezas obrigavam-no a replanejar a vida.
Se por um lado a alegria pela alternância do poder concretizava um sonho e a democracia se fortalecia, de outro as descontinuidades das políticas públicas frustravam-no.
Cada governo trazia a mágica solução que logo acabava sem ser realizada. Além de ganhar novos colegas, sempre muito bem respaldados e pouco credenciados profissionalmente à função. Esses eram os escolhidos para liderar a mágica, os tão questionados CCs.
Quanto mais líderes formais e informais ingressavam mais suas oportunidades encolhiam. Era beneficiado com esses ingressos, porque novas amizades surgiam. Foi a única forma de reciclagem de suas atribuições desde o seu ingresso no órgão.
Com o tempo, até esses “benefícios” deixaram de ser repassados, e a remuneração decaia na mesma proporção que a dedicação ao trabalho.
O seu próprio nome não podia mais ser honrado. Ele via os serviços que os cidadãos necessitavam serem ignorados, embora já os tivessem pago. Assim como o drama daqueles que dependem do serviço público para sobreviver. Casos como os de pessoas que sentiam a vida escorrendo pelas próprias mãos, por falta de atendimento ou do medicamento que poderia salvá-los.

Utilizou inúmeras vezes materiais próprios para melhorar o trabalho. No entanto, esse esforço já não era mais reconhecido, pois o consideravam incompetente, alienado e incapaz.
Mas nada lhe decepcionava mais do que ter de ouvir os desaforos e insultos do cidadão insatisfeito, apesar de todo o seu empenho. Como se não fosse um cidadão com problemas.
Assim como ele, colegas, inclusive os que imaginavam possuir a varinha mágica, dedicam-se exaustivamente ao trabalho. Apesar de todo o esforço, o resultado era mínimo ou até nulo. Colegas que tinham como única motivação a recompensa salarial. Ficavam aguardando o aumento da remuneração para realizar o trabalho.
Assim, Motivaldo não tem mais forças para ressuscitar a motivação e a saúde. Não tem opção e não pode mais esperar, apesar de acreditar no novo jeito... de motivar.
Entre um chimarrão e outro, acompanha pelo jornal a introdução de novas formas de gestão, enquanto cuida dos netos e da filha, que estuda para concurso.
Não lhe faltam esperanças na recuperação das funções do poder público, embora temeroso que não possa ser atendido quando for preciso.
Jaìr A Paùlétto
Enviado por Jaìr A Paùlétto em 05/02/2007
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