Os Jacarandás Floridos
As manhãs acordam mais cedo nesta época do ano, estamos na metade da primavera e o sol não espera o sono se esgotar para aparecer.
O governo aproveita para economizar energia, o relógio é adiantado em uma hora e o organismo que se adapte. Geralmente depois da primeira semana a grande maioria das pessoas já se habituou, porém para mim, este tempo se estende um pouco mais, no mínimo umas três semanas.
Acordar mais cedo sempre me foi um sacrifício, fica até difícil acreditar que muitas pessoas têm prazer em acordar cedo. Sei e imagino que quando o dia começa a revelar-se, deve ser um momento quase que mágico, uma explosão de energia, mas também sei que nem toda essa energia consegue me tirar da cama, a não ser por um estrondoso alarme de despertador.
Essa semana, entretanto, a vida me proporcionou uma experiência único; era o quinto dia do horário de verão e incrivelmente não me sentia cansado. Faltavam 10 minutos para as oito horas e já circulava pela Rua Dona Laura, procurando apressadamente uma moedinha para o parquímetro que ficava a poucos passos de onde havia estacionado, quando num insight percebo que não estou atrasado e desacelero o ritmo.
Quando desaceleramos, novas portas se abrem e nossa mente passa a perceber coisas que normalmente não percebemos, ou percebemos, mas não registramos. Dessa forma, percebi a beleza da cena que se descortinava na minha frente, era uma chuva de flores, ou melhor, era uma tempestade de flores azuis.
O vento soprava com muita intensidade, levando os funcionários dos prédios manejarem apressadamente suas vassouras para evitar que a varrição precisasse ser refeita.
A rua ficou parecendo um tapete azul diante da enorme quantidade de flores caídas que enfeitavam os carros que ali se encontravam estacionados, e, para os que circulavam, se encarregavam de espalhar as flores que se movimentavam de uma maneira que lembrava os movimentos de uma dança de ballet.
Na calçada, algumas pessoas apressadas e com gestos rápidos, tiravam as flores que caiam em suas cabeças, enquanto os varredores inutilmente tentavam junta-las, enchendo por sua vez, volumosos sacos de lixo com aqueles milhares e milhares de flores azuis que por ali caiam. Assim, imediatamente pensei que aqueles sacos de lixo jamais imaginaram que um dia fossem conter um conteúdo tão lindo, tão perfumado, sem contar com a surpresa dos garis quando os recolhessem.
A remoção das flores era inútil, porque as calçadas permaneciam limpas apenas por alguns segundos, era o momento da chuva incessante e mágico das flores.
Esses poucos segundos foram suficientes para deixar transparecer uma instigante decoração que ficou nas pedras do calçamento; pois era nada mais, nada menos, que o resultado das flores pisoteadas pelos transeuntes que por ali deixavam o chão marcado, como se fosse um mosaico.
Para aqueles funcionários por mais que insistissem em remover aquele tapete de flores, não conseguiam remover o mosaico do chão, que ganhava desenhos dinâmicos conforme o sol ia aparecendo entre as velhas árvores cobertas de vistosas flores pinaculadas.
A luminosidade intensa da manhã tornavam aquelas poucas quadras ainda mais encantadas, logo, percebi o quanto a minha correria diária me privava de momentos maravilhosos como estes, embora há alguns anos venho tentando vive-los melhor. São momentos talvez únicos, mas que despertam e que são capazes de transformar o dia de qualquer um.
O tempo voou junto com a minha imaginação, mas eram oito horas e o meu compromisso não podia esperar, entretanto, aquela cena não saia da minha cabeça o tempo todo, e com uma hora liberado do compromisso, resolvi alongar o caminho para o trabalho, circulando por várias quadras próximas, para usufruir ainda mais daquela beleza, que cobre muitas ruas da capital gaúcha.
Ainda preciso do despertador para acordar, porém agora com a mente mais aberta para que o universo possa me proporcionar novos e mais momentos como estes, e para que a cada dia eu possa ter o privilégio de ver e sentir essa cidade, cuja natureza e aspecto não se podem precisar, percorrendo velhos e novos caminhos que tornam o meu dia mais leve e feliz. Vale a pena, experimente!
Jaìr A Paùlétto
Enviado por Jaìr A Paùlétto em 29/12/2006
Alterado em 06/03/2007