O singular do Plural.
Para matar a fome do meio-dia, basta atravessar a praça e seguir mais duas quadras. Sistematicamente, todas as sextas-feiras, almoço num restaurante que serve um camarão à milanesa como ninguém. Na última semana, acompanhado de um casal de amigos, enquanto falávamos da perspectiva do tempo manter-se bom para o final de semana, meu amigo repentinamente disparou um sonoro, “nossa, que ridículo!” direcionando o olhar para uma jovem que vinha do sentido contrário. Era uma linda jovem com um sorriso encantador, porém acima do peso embora eu seja um leigo no assunto poderia classificar, sem medo de errar, que a obesidade da moça era preocupante.
O que o meu amigo classificou como ridículo, pra mim foi algo cômico. Na camiseta justíssima que a moça vestia estava escrito “onda urbana” em letras enormes e repletas de lantejoulas. A inscrição ficava na altura do abdômen que “emergia” através de inúmeras e generosas camadas sob a camiseta, parecendo uma sequência de ondas a quebrar na praia. Confesso que achei a cena engraçada, um bom e humorado retrato da realidade da onda urbana de gorduras, dos fast foods e do sedentarismo que envolve grande parte dos brasileiros.
O assunto voltou a ser a previsão do tempo, mas eu fiquei intrigado com aquela reprovação do meu colega. Se não fosse a infeliz frase da camiseta e o excesso de peso talvez a jovem nem teria sido notada, eu, por exemplo, só percebi após o alerta. Afinal, assim como têm pessoas com excesso de peso em nossa volta, têm pessoas que não conseguem engordar e sofrem por se considerarem magros demais, inclusive, tenho uma amiga exageradamente magra que sofre com inúmeras piadas, especialmente nos dia de vento.
Definitivamente a jovem era gorda, contudo, linda e aparentemente feliz pelo que pude deduzir na fração de minuto que cruzei com ela. Entretanto, aquele episódio, aparentemente casual, retido na minha mente, passei o almoço todo observando a diversidade de pessoas que frequentavam aquele restaurante. Havia alguns padrões definidos, quanto ao modo de ser, de se comportar a mesa, a forma elegante das secretárias se vestirem, as diferentes tonalidades de loiro nos cabelos femininos, enquanto que nos homens se destacavam as gravatas coloridas e os ternos escuros e a constante atenção ao telefone dos apressados executivos. Fisicamente eram todos muito parecidos, os detalhes de cor, peso, altura não eram significantes, exceto as avantajadas barrigas masculinas que pareciam as das mulheres prestes a dar a luz.
Percebi que a pluralidade das formas físicas e padrões sociais de comportamento é tão natural que somos atores do próprio ambiente. Mas, ao aprofundar o pensamento percebi que existe uma singularidade em cada um de nós que nos torna raros e únicos. É esta singularidade que nos permite pensar de forma independente, concordar, discordar, sentir, compreender, interpretar ou julgar cada fato ou opinião de forma única. Compreender a relatividade dos acontecimentos é o desafio diário. Eis a física quântica desafiando os mais hábeis cientistas.
Dessa forma, é fácil compreender a expressão “que ridículo”, proferida pelo meu amigo, bem como a minha interpretação humorada quanto à combinação física e o figurino da jovem. O importante é que independente no julgamento ou interpretação que meu colega e eu fizemos, é que a individualidade permanece inabalada, a independência com que cada um trata sua vida é algo totalmente sagrado, que não merece nenhuma critica, afinal diz respeito ao próprio ser. Nossas opiniões dizem respeito a nós mesmos, a escolha de conduzir a vida é individual, singular e a pluralidade serve apenas para nos diferenciar, nos tornar mais raros.
Obviamente que a vida em sociedade nos faz reféns de alguns padrões dominantes, porém não limitam o crescimento pessoal, apenas desafiam nosso aprendizado. Descobrir o poder da individualidade e encontrar a conexão perfeita para fortalecer o processo de desenvolvimento pessoal e da humanidade é uma benção para qualquer vida humana. A individualidade é indissociável do livre arbítrio, esse poder absoluto de direcionar nossa vida é um presente divino que nos responsabiliza por todos os nossos atos. È a prova de que tudo o que fazemos é feito por nossa livre escolha, o que nos impede de atribuir aos outros nossos erros, frustrações e aborrecimentos.
A aparente uniformidade de comportamentos não deve nos impedir de perceber a nossa singularidade. O cotidiano pode nos proporcionar importantes reflexões, inúmeras oportunidades para despertarmos e aprendermos, como a da jovem que caminha por aí feliz, despreocupada com sua roliça silhueta. Esteja atento e perceba-se único. Boa semana.
Jaìr A Paùlétto
Enviado por Jaìr A Paùlétto em 23/09/2010
Alterado em 01/06/2013