Jair A. Pauletto
O Singular do Plural
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Desapego.
 
O desapego é uma característica marcante na concepção de vida oriental, que aos poucos foi incorporada no ocidente como sendo um fator importante para melhorar a qualidade de vida. Desapegar-se é uma recomendação frequente para aqueles que procuram ajuda para mudar sua rotina, na tentativa de acrescentar mais satisfação, saúde e bem-estar em suas vidas, seja nas questões profissionais, materiais ou pessoais.
No quesito pessoal, confunde-se facilmente apego com amor, e muito frequentemente com posse e poder sobre outra pessoa. Já no ambiente profissional, o agarrar-se ao trabalho em busca do reconhecimento faz com que as relações pessoais se deteriorem e a questão financeira passe a ditar o valor das pessoas. E por fim, um dos erros mais frequentes é atribuir a importância de uma pessoa, conforme seus bens materiais. Esse apego exagerado às questões materiais é evidente na cultura ocidental e é apontado como um dos responsáveis pela infelicidade do homem moderno. A rapidez com que nos apegamos a um determinado produto, por exemplo, é atribuída a eficiência da propaganda que, por sua vez, transformou-se na maior responsável pelo consumismo.
Os artifícios da propaganda são tão eficientes que em pouco tempo incorporamos como obrigatório o consumo de um determinado produto, sob pena de sermos condenados a infelicidade por não possuí-lo. Esse poder do marketing de atrelar as mercadorias, o status, o erotismo, à saúde, felicidade e tantas outras sensações desejáveis é extremamente contagiante e influencia significativamente às escolhas, especialmente dos mais jovens. Assim, se desperta o interesse e consequentemente o apego, pois só nos apegamos àquilo que nos interessa. Não existe apego a algo que nos é indiferente, ou seja, que não atribuímos importância. A importância vem de importar, de colocar para dentro, então, se interiormente não despertamos para valores mais sólidos e ligados ao crescimento pessoal, seremos facilmente influenciados por qualquer futilidade externa.
É evidente que as filosofias que pregam o desapego têm servido com maestria a muitos que direcionaram sua vida a um rumo que os levaram a apegar-se exageradamente a questões sem importância para alcançar o bem-estar, a felicidade, porém não podemos condenar o apego. O apego é fundamental para desenvolver o sentimento de proteção, cuidado e carinho e, deste modo, tentar convencer alguém a aderir a uma campanha de preservação ambiental sem despertar-lhe o apego à causa, pois o resultado será nulo. Alguns até aderem temporariamente numa espécie de modismo, mas logo desanimam, justamente por não perceberem que alguma coisa possa beneficiá-los, isto é, que lhes cause uma boa sensação no momento presente. É muito mais difícil engajar-se a questões, cujo resultado vem ao longo prazo do que aquela que gera prazer imediato. Talvez isso seja uma das causas da pouca importância que se dá à preservação da natureza. Outra causa extremamente importante, mas que passa despercebida é a falta de apego em relação àquilo que é de todos, desta forma, ninguém se sente responsável pelo rio que abastece a vizinhança, pela mata que encobre o morro.
Por outro lado a questão da sustentabilidade desperta maior simpatia, porém ainda não consegue engajar verdadeiramente as pessoas. A exploração sustentável acaba envolvendo somente as comunidades locais com resultados econômicos, geralmente deficitários condenando os moradores a uma vida miserável. É preciso incentivar a preservação, subsidiando e viabilizando uma renda digna ao que preservam.
Embora as mudanças climáticas já se mostrem evidentes causando grande prejuízo e sofrimento, a exemplo do calor dos últimos dias, a preocupação imediata sempre é procurar um lugar mais fresquinho. Geralmente se vislumbra a solução na compra de um ventilador novo ou um ar condicionado e, uma vez usufruindo os benefícios destes equipamentos nos apegamos a eles como a salvação do problema e esquecemos que causamos danos pelo aumento de consumo de energia. O mesmo ocorre com as enchentes depois que as águas baixam, o lixo novamente é jogado ao relento, às árvores seguem sendo derrubadas e assim a vida continua sem lembrar que as nossas ações do presente, mesmo inconscientemente, têm reflexos posteriormente.
Não tenho dúvida dos benefícios do desapego, especialmente as questões materiais, porém sou contra a tentativa de atribuir genericamente uma responsabilidade exagerada àquilo que influencia na busca da felicidade. O apego é algo bom, pois é o laço inicial para o cuidar o zelo e a empatia para com o outro, podendo facilmente transformar-se em amor. Contudo, exageros ou apegos equivocados são maléficos, até mesmo no amor. O ideal é o equilíbrio, a escolha sensata e a consciência desperta para nossas atitudes e responsabilidades, fatores fundamentais para crescermos e usufruirmos períodos mais longos e frequentes de felicidade. Boa semana.


Jaìr A Paùlétto
Enviado por Jaìr A Paùlétto em 11/02/2010
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