Jair A. Pauletto
O Singular do Plural
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Textos
  E esse tempo, hein!
 
O futebol, um dos assuntos sempre presente nas rodas de bate-papo, ultimamente perdeu terreno e deu lugar as questões climáticas. A justificativa não está relacionada à posição da dupla Gre-Nal na tabela do campeonato brasileiro, na qual o grêmio nada mais espera, enquanto o rival se mantém entre os candidatos ao título, mas, sim, na devastação causada pelos fenômenos climáticos que deixaram várias mortes e muita destruição pelo estado.
A questão é tão séria, que o assunto tempo, meteorologia, nunca foi tão pertinente para se iniciar uma conversa que o, “e esse tempo, hein!”, e tantas outras expressões utilizadas, geralmente, para quebrar o gelo e iniciar uma conversa, agora ganham status de seriedade, preocupação e solidariedade. Nessa hora, sempre surge alguém que se mostra mais sensível com a situação dos desabrigados, enquanto outros têm um caso catastrófico pra contar ou conhece alguém que sofreu com a chuva.
No meu círculo de amizades, enquanto tratávamos desta questão, não resisti e perguntei qual era o sentimento predominante. Minha expectativa era ouvir respostas diversificadas, mas, todas concentradas em torno da solidariedade, preocupação, responsabilidades entre outras, jamais pensaram ouvir a palavra misericórdia. Obviamente que foi esta palavra que capturou toda a minha atenção e, a partir daí, por mais consistentes e até inovadoras que fossem as justificativas utilizadas para descrever os sentimentos de cada um dos meus amigos, tudo o que eu queria entender era por que alguém manifestaria misericórdia, uma virtude tão pouco usual e normalmente associada ao Divino.
Dentre tantas explicações consegui assimilar muito pouco, mas detive-me em tentar absorver o conceito de misericórdia, já que divergia do meu entendimento, uma vez que, até então, entendia a misericórdia como uma espécie de perdão, clemência, absolvição, compaixão. Na verdade, essas virtudes, se é que assim podemos chamá-las, no meu entendimento sempre foram muito parecidas, entretanto, conforme o assunto evoluía os conceitos começaram a se diferenciar. Enfim, foi uma longa conversa e por várias vezes me lembrei do ditado, “se você estiver entre quatro pessoas e não puder identificar ninguém anormal, cuidado, por que essa pessoa pode ser você”, mas que no final mostrou-se esclarecedora.
Descrever esta longa discussão filosófica tornaria este texto insuportavelmente chato e pouco esclarecedor, mas me serviu para muitos aprendizados, especialmente quanto às sutis diferenças entre tantas virtudes. Resumidamente posso dizer que percebi, ao contrário do que geralmente entendemos, que perdoar não é apagar a falta, considerá-la nula, esquecer como se nunca tivesse acontecido, pois esse é um poder que não possuímos, uma vez que o que aconteceu é irrevogável, é um ato que fica para sempre e, portanto, não se apaga com um pedido de perdão. Clemência, por sua vez, pode ser resumidamente definida como a renúncia em punir, que modera o castigo, suaviza o rigor da justiça, enquanto que compaixão pode ser vista apenas como simpatizar com o sofrimento, ambas muito valorizadas, mas que não cessam o ódio. Assim como a absolvição, entendida como o poder de anular as faltas, os pecados, acredito ser tão sobrenatural que somente Deus possa tê-la.
A misericórdia é uma virtude nobre, pois ela triunfa sobre o ressentimento, o ódio, mesmo aquele ódio que consideramos justo, o rancor e o desejo de vingança. É uma virtude que realmente perdoa, uma vez que não suprime, não nega a falta ou a ofensa, apenas cessa nossa raiva ou ódio por alguém que nos ofendeu ou prejudicou. A misericórdia não anula a maldade, não impede a vontade de ser mau e nem renuncia a combatê-la, apenas se recusa a compartilhá-la, a somar ódios, rancores e egoísmos. Ela age de forma a deixar o ódio ao odiento, a maldade aos maus e o rancor aos ruins, digamos que ela nos propõe deixar de julgar, abandonar o odiar e amar.
Não sei se ser misericordioso é o melhor que podemos fazer diante de tudo o que vem acontecendo em nossa sociedade, e especificamente nessa questão dos temporais, mas sem dúvida é uma virtude a ser desenvolvida, pois nos liberta de muitos males e ainda propaga o amor. Quanto às explicações para as mudanças climáticas, estas ultrapassam a ciência e o esoterismo, porém podem ser encontradas em nossas próprias atitudes em relação ao meio ambiente. Precisamos admitir que estamos sofrendo as consequências de nossos atos e desenvolver uma consciência mais responsável, seja com as questões climáticas, adotando uma postura mais efetiva, quanto na preservação da natureza. Discussões filosóficas sobre misericórdia, perdão ou compaixão sempre contribuem para nosso crescimento, no entanto urge que priorizemos a adoção de novos comportamentos e a relação com o planeta.
Mesmo que o assunto predominante nas nossas relações diárias continue a girar em torno de assuntos mais amenos, como o futebol, não podemos deixar de reconhecer que existem tantos fatos para mudarmos, que até mesmo os mais desatentos não podem ignorar. Boa semana.
Jaìr A Paùlétto
Enviado por Jaìr A Paùlétto em 25/11/2009
Alterado em 28/11/2009
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