Jair A. Pauletto
O Singular do Plural
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Textos
O Milagre do Velho Umbu
                
Na encosta do morro o enorme umbu, cientificamente chamado de Phytolacca dióica, continuava a despejar sua densa sombra, como quando os viajantes ali paravam para restabelecerem forças para continuar o caminho. Agora, porém, o milharal invadia todas as terras da redondeza e o gigante das sombras se tornara um grande empecilho, visto que o milho não crescia adequadamente pela falta de sol. O agricultor não tinha a menor dúvida, deveria retirá-lo o mais breve possível. Uma tarefa difícil diante do tamanho da árvore. Ele já havia cortado outras, que embora muito menores lhe consumiram muita energia, além do mais as raízes profundas garantiam uma viçosa brotação na primavera, de modo que em alguns anos lá estava a árvore praticamente do mesmo tamanho. Obviamente que isso não iria ocorrer com aquele gigante, mas a brotação certamente ocorreria e, no ano seguinte, muita lenha precisaria ser removida novamente. No entanto, a dificuldade maior, ainda, era cortar aquele enorme tronco cuja base era totalmente disforme, ultrapassava cinco metros de diâmetro. Esse formato irregular do tronco era uma característica comum daquela árvore, em que parte das raízes ficava exposta e com o passar do tempo, os rebrotamentos laterais e próprio crescimento da raiz, juntavam-se ao tronco principal formando um troco ainda maior. Não bastasse o tamanho, havia outra característica que dificultava o abate daquele gigante, o tronco não era lenhoso como as das demais árvores, constituía-se de uma madeira pouco resistente, totalmente inútil para a construção, aliás, tão inútil que era descartada até mesmo como lenha, mas de difícil corte, era algo que lembrava o isopor, ou seja, pouco resistente, mas difícil de ser cortado.
Diante disso, tudo e principalmente pressionado pela necessidade de sustentar a família, tornava-se cada dia mais necessário sacrificar o velho umbu, para que a safra fosse um pouco melhor. A primeira tentativa de assassinato deu-se com o corte da casca, uma tentativa infrutífera de bloquear o fluxo da seiva, mas, isso para aquele gigante das sombras, não passava de um pequeno ferimento que em nada abalava sua imponência. Desta primeira tentativa em diante seguiram-se várias outras, todas no mesmo sentido, ou seja, tentar impedir o fluxo da seiva. Os cortes eram cada vez mais profundos: adicionava-se um banho de gasolina ou óleo diesel e em seguida ateava-se fogo, mas tudo o que conseguia era apenas danificar a base do tronco sem causar consequência alguma a árvore. Algumas safras depois, com o auxilio dos vizinhos, o agricultor pôs-se a derrubar o resistente umbu. Foi uma longa jornada onde os machados não pararam, os lenhadores se revezavam no manuseio de dois ferozes machados, mas que no final do dia, os quatro homens exaustos, contemplavam o tombamento do centenário umbu. Entretanto, depois de tombarem o velho umbu, estranhamente perceberam uma grande quantidade de água escorrer do centro do tronco, e um peixe de aproximadamente cinco quilos debateu-se entre as grossas serragens deixadas pelos machados. Surpresos e curiosos os homens logo perceberam que o miolo do tronco era oco, que a água da chuva certamente escoria desde as extremidades superiores da árvore e alojava-se na base do tronco sendo retida no seu interior, algo raro, mas perfeitamente compreensível, especialmente para aquela espécie de árvore. Porém, como explicar a existência daquele enorme peixe, isso sim era algo inexplicável e certamente um sinal divino. A preocupação abateu-e sobre todos. Teriam eles cometido um pecado em derrubar aquela arvore? Seria o peixe, símbolo do cristianismo, um sinal de Deus? Estariam todos condenados às chamas do inferno? Diante a reflexão, todos se puseram a rezar imediatamente e trataram de chamar o vigário que resistiu como pôde para não se envolver. Mas a insistência foi tanta que, mesmo chegando ao local sob a luz dos lampiões examinou a situação contrariadamente e sem encontrar justificativa plausível, convenceu-se de que se tratava de um sinal Divino, pois associou a inexplicável presença do peixe ao milagre da multiplicação dos pães e peixes de Jesus Cristo, e sem qualquer duvida, afirmou categoricamente a todos os colonos presentes:
- Este é um sinal de que Deus esta abençoando estas terras e todos os trabalhadores desta região passarão a colher safras fartas. Nenhum de vocês irá passar fome, pois Deus está abençoando a todos e, a partir de hoje, a fome não mais baterá em suas portas.
Diante destas palavras, todos os presentes se ajoelharam, começaram a rezar e logo um grande número de famílias se juntou ao grupo formando um grande círculo, uma grande corrente de oração em torno da árvore que se manteve até o amanhecer.
Em pouco tempo o milagre se tornou conhecido por toda a região e caravanas começaram a frequentar o local. O fluxo de peregrinos cresceu tão rapidamente que mal a diocese tomou conhecimento detalhado dos fatos, já se identificava na região, especuladores interessados em adquirir terras por valores nunca antes praticados, seguida de muitas outras ações de investimento para acomodação de visitantes e tudo o que envolve o crescimento acelerado de uma região, devido à peregrinação.
Em alguns anos o local tornou-se a região mais próspera de todo o sul do país; a riqueza material do pequeno grupo de agricultores crescia gigantescamente a cada anúncio de uma nova graça alcançada, pela simples visitação ao “local que Deus abençoou”. Os milagres eram tantos que a própria igreja duvidava, mas satisfeita com o aumento do número de ofertas e de fiéis, tratava de prestar toda a assistência espiritual aos peregrinos que vinham de todas as partes do mundo.
Muitos anos se passaram e a rigorosa apuração dos fatos que pudessem comprovar os milagres, característica da Igreja para estes casos, seguiu todas as etapas de investigação, de modo que somente duzentos e trinta e sete anos depois, concluiu-se que a região havia sido vítima de um fenômeno natural, raro, conhecido como “chuva de peixes”, no qual, um tufão suga água juntamente com alguns peixes que estão mais próximos a superfície de algum lago ou rio, e os transporta por distâncias relativamente longas, fato amplamente conhecido pela ciência atual.
Assim, o peixe sugado de uma lagoa das proximidades caiu sobre o velho umbu alojando-se no tronco oco que por sua vez era abastecido regularmente de água pela chuva e, deste modo pode encontrar as condições necessárias para desenvolver-se. De qualquer forma, o velho umbu foi abatido sem resistência, mas a natureza, através da consciência humana, tratou de vingá-lo da triste morte produzindo o pior dos sofrimentos, o do auto-engano.
Jaìr A Paùlétto
Enviado por Jaìr A Paùlétto em 12/11/2009
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