Jair A. Pauletto
O Singular do Plural
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Intolerância.
 
Depois do terceiro chopinho a conversa fica mais leve e a mente se encarrega de voar, como a minha, que há alguns dias atrás foi parar lá na escola primária onde estudei. Na ocasião lembrei de um professor que lecionava religião cujo nome não recordo, mas fisicamente ainda poderia descrevê-lo como feio, magro, baixinho e com um enorme e bom coração, maior até que o seu próprio corpo. Ele tentava colocar nas nossas cabeças, nas dos rebeldes em especial, alguma coisa de religião. Tarefa nada fácil, pois na minha época ninguém reprovava nessa disciplina, porque éramos todos filhos de famílias extremamente católicas e o que nos ensinavam em casa ia muito além do conteúdo da aula.
Mas, retomando o assunto intolerância, aquele humilde professor de religião, quase trinta anos depois, surgiu na minha cabeça para me fazer perceber que sou intolerante desde aquele tempo. Lembrei claramente que não pude suportar uma infeliz colocação do professor, quando tentou nos mostrar a importância de estarmos sempre na graça de Deus, que dizia mais ou menos assim: “temos que estar sempre livres de qualquer pecado, pois imaginem se um dia acordarmos mortos, não haverá mais tempo para perdoar ou sermos perdoados”.
Diante dessas palavras de “acordarmos mortos” não agüentei e soltei uma baita gargalhada e repeti debochadamente várias vezes as palavras, acordar morto, acordar morto, que o pequeno professor se transformou num gigante expulsando-me da sala no mesmo instante e, é claro, no final do ano fui o único aluno que ficou com recuperação nessa disciplina, aliás, desconfio que ate hoje eu tenha sido o único ou certamente o primeiro. Esta lembrança possivelmente seja o fato mais marcante da origem da minha intolerância que, apesar de acreditar que esteja mais civilizada, ainda me incomoda em diversas situações.
A intolerância que é companheira do preconceito e da discriminação é algo inaceitável, porém existem ocasiões em que um pouco de paciência e compreensão são suficientes para resolver qualquer situação com calma e tranqüilidade, ou seja, de forma civilizada. Parece ser algo fácil de aceitar, mas na prática é algo muito difícil de ser aceita, compreendida e assimilada, basta observarmos o comportamento diante de uma fila que não anda ou de um atendente mal preparado.
No entanto, sem querer ser muito intolerante, mas já reconhecendo firmes traços deste mal, no sentido de impaciente, não consigo admitir qualquer intolerância quando se trata de diferenças de pensamentos e crenças. Neste sentido, certamente não sou intolerante, mas por outro lado não consigo tolerar a minha cunhada, por exemplo, que uma noite dessas, às 2h da madrugada me acordou com um telefonema perguntando se eu estava dormindo. Bem, no auge da minha intolerância, só podia responder: SIM, só estou te respondendo porque sou sonâmbulo. Hora, é óbvio! Se estou falando ao telefone é porque estou acordado, o que não significa que eu estivesse acordado antes do indesejável telefone tocar. Essa minha impaciente tolerância muitas vezes se manifesta sem eu mesmo perceber, o que me deixa profundamente irritado, quando em algumas situações veste-se de arrogância, presunção e insolência. Tudo isso, naturalmente, me remete a uma profunda decepção, quanto ao meu comportamento e desenvolvimento moral, mas persisto fortemente no propósito de me tornar mais compreensivo e paciente diante destas situações.
Sei que poderia ser muito mais difícil avançar se a minha intolerância fosse no campo das idéias ou da religião, algo que torna, os que a possuem pessoas extremante equivocadas em relação à individualidade e liberdade humana. O tênue traço que separa a discussão respeitosa da intolerância é a emoção, o que faz com que muitas pessoas, apesar de serem tolerantes com relação à política, sexo e religião, são extremante intolerantes com uma idéia qualquer de um familiar, amigo ou outro alguém.
Expresso essa minha falha de personalidade para comprometer-me publicamente em melhorar essa deficiência, mas principalmente para que possamos refletir e avaliar a infinidade de comportamentos indevidos que diariamente praticamos com os que nos cercam. São atitudes e pensamentos equivocados que manifestamos e silenciosamente vão se fortalecendo em nosso comportamento, impedindo que novas atitudes e ideias se manifestem, para que seja possível transformar velhas crenças em ações mais amplas, capazes de tornar a vida mais próspera e feliz.
A discussão sobre a intolerância é ampla e facilmente segue o caminho que aponta as falhas alheias, no entanto o mais difícil e o melhor a fazer é reconhecer e aprender a lidar com a própria intolerância. Boa semana.

Jaìr A Paùlétto
Enviado por Jaìr A Paùlétto em 15/10/2009
Alterado em 15/10/2009
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