Jair A. Pauletto
O Singular do Plural
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Apenas aparências.

Desde o meio da manhã corria solto o chimarrão – bebida típica gaúcha, para bem recepcionar a qualquer hora. A visita procurava esbanjar simpatia e exagerava nos elogios aos integrantes da pequena família, bem como para alguns objetos da casa. O clima, que sempre era um ótimo motivo para esquentar qualquer conversa, passou a ser o assunto que desencadeou o rosário de lamentações.
O longo período de estiagem realmente parecia querer prolongar-se, castigando cada vez mais a plantação e conseqüentemente a alimentação do gado, base da economia de toda a região. Ali se vivia da plantação – um roçado de milho - e da criação de vaquinhas leiteiras, a base da economia familiar, além de algumas galinhas e porcos que complementavam a receita da casa.
Obviamente que a seca representava uma grande preocupação, pois ameaçava o futuro e todo o sustento da família. Mas, para a visita que há muito tempo não aparecia por lá, era a oportunidade ideal para exibir todo o progresso obtido desde a última visitação. Não havia nada demais, além de um sofá novo, um tanquinho elétrico para lavar a roupa e algo um pouco mais significativo, como uma máquina nova para plantar milho. O trabalho de quase cinco anos de trabalho pode ser registrado em meia hora de conversa. As visitas, por sua vez, fizeram o mesmo e com orgulho ainda maior, pois o relato é sempre mais belo que a realidade. Quando possível traziam fotos para exibir o objetivo alcançado, ou de algum filho, ou ainda de um familiar mais distante em determinado evento de destaque ou simplesmente se formado no ensino médio.
Esta é uma tradição em muitas famílias, uma forma disfarçada de expressarem seu orgulho materialista, uma rivalidade ferrenha na corrida acumulativa de bens materiais. Algo que contrastava fortemente com o discurso que constantemente proferiam com tanta veemência, valorizando o bem estar e a felicidade através das coisas simples. Aliás, as coisas simples, a simplicidade da vida rural, serviam de desculpa para justificar um eventual insucesso ou até mesmo o desinteresse por algo que desconheciam ou simplesmente inalcançável.
Trata-se de uma clara demonstração de inveja, porém disfarçada de vitimismo. Nessas conversas, o mais surpreendente é como a habilidade política dessa gente simples se manifesta naturalmente, dando inveja ao mais hábil dos políticos profissionais. Obviamente que ali, todos os componentes que envolvem esta arte, são utilizados sem qualquer sentimento de culpa ou maldade, pois flui inconscientemente, confundindo-se com manifestações de boa educação.
Porém, é inegável a presença do sentimento de família que une a todos. Podemos evidenciar uma união capaz de gestos de grande nobreza para com o membro necessitado, seja ele parente distante ou até mesmo a “ovelha negra da família”. Essa solidariedade, rara nos dias atuais, tem origem do fundo do coração, embora às vezes seja utilizada como forma de orgulho, é um componente fundamental para a união e progresso de todos.
È uma estrutura social interessante, pois ao mesmo tempo em que manifesta os piores sentimentos humanos, como inveja, egoísmo, vaidade e ganância são capazes de fortificar a união, solidariedade, generosidade e o amor. Apesar de serem componentes comuns em qualquer sociedade, aqui se diferenciam por terem na estrutura familiar o centro de todas essas manifestações. Assim, este modelo, uma vez solidificado, passa a permear o núcleo familiar e atingir a comunidade próxima, para posteriormente formar sociedades com base na mesma estrutura de princípios, valores e vícios.
Muitas comunidades sejam por origem ética ou regional, obtiveram grandes progressos materiais e morais, sendo admiradas e tomadas como exemplos de desenvolvimento, abrigam em seu seio essa dualidade, que em ultima análise, é a eterna dualidade do bem e do mal que habita nosso intimo.
O avanço das famílias e conseqüentemente da sociedade e humanidade como um todo, passa por esta questão. Cabe a nós identificá-las desde o mais intimo do nosso ser, passando pela família, município, estado, país, até atingir todo o planeta. Deste modo, nesta batalha temos o dever de seguir o conselho de um velho chefe indígena, que ao falar a tribo sobre a existência de dois lobos em nosso íntimo: um do bem outro do mal, ambos em constante luta, foi lhe perguntado: Qual deles venceria a batalha? Ele sabiamente respondeu: - Aquele que alimentarmos mais.
Deste modo, o melhor que temos a fazer diante de uma possível vitória do mal, é parar de alimentá-lo e fortalecer o bem, para que este se fortaleça e triunfe. Boa semana!

Jaìr A Paùlétto
Enviado por Jaìr A Paùlétto em 19/01/2009
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