Jair A. Pauletto
O Singular do Plural
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Três é demais?

Nada o ameaçava, mesmo assim não se sentia seguro. Estava em uma cidade de um milhão de habitantes e tomado de solidão, na qual, não devia haver nos anais da história, notícia de alguma pessoa que fosse mais tímida do que ele. Um homenzinho receoso na desconhecida capital procurando seu lugar. Apavorado com a própria sombra procura se esconder entre os frenéticos transeuntes arrastando-se pelas barulhentas ruas do centro a procura de trabalho.
Conhecia apenas o trabalho árduo de lavrador, sob o sol do verão escaldante, e das gélidas manhãs de inverno. O lazer e as aventuras sentimentais se restringiam aos raros bailes nas noites de sábado e o futebol aos domingos de tarde. As relações amorosas mais profundas resumiam-se a um contato tateante com as meninas mais ousadas.
Trazia mais que as feições de criança, apesar dos vinte e poucos anos. Era pura ingenuidade em virtude da proteção que sempre fora submetido. Solitário, caminhava em meio a fileiras de pessoas elegantemente trajadas que pareciam desfilar em uma passarela, como ele havia visto pela televisão. Sua aparência não combinava com aquela situação, olhava para tudo e todos, mas sentia-se observado até mesmo pelas fachadas, pelos postes e janelas. Tudo parecia ter olhos só para observá-lo, e bocas para murmurarem comentários de todo tipo a seu respeito.
Nas entrevistas de emprego, sentia-se como um boi estúpido que não servia nem para sulcar a terra, seguindo um caminho circular. Mas logo percebeu que a fonte da estupidez estava naqueles recrutadores que não sabiam ver nas mãos calejadas, o valor de um bom trabalhador. Sabia que podia aprender rápido e que não era tão estúpido como aqueles recrutadores pensavam que ele fosse, pelo contrário, este era o argumento que salvava sua estima.
Finalmente apareceu o primeiro emprego. Seria auxiliar do auxiliar de alguma coisa, não importava, estava finalmente empregado.Saber que tinha carteira assinada, apesar da baixa remuneração o confortava. Realizava uma longa caminhada para economizar com o transporte. Andava alguns quilômetros entre os trilhos do trem da velha rede ferroviária, depois atravessava por um pequeno buraco da cerca e invadia os trilhos que davam acesso ao trem urbano, o qual o levaria até a estação onde pegaria um ônibus. Diariamente fazia o percurso rezando uma oração a Virgem Maria, que havia decorado dos classificados do jornal, embora soubesse que jamais poderia publicá-la no nono dia conforme dizia o anúncio. Assim mesmo repetia inúmeras vezes à oração: "Aflita se viu a Virgem Maria, aos pés da cruz, aflito me vejo. Valei-me mãe de Jesus. Confio em Deus com todas as minhas forças. Por isso, peço que ilumine meus caminhos, concedendo-me a graça que tanto desejo. Amém”.Complementava a reza diária com algumas outras preces e repetia a oração tantas vezes quanto fosse possível, até chegar ao destino. Era a forma que conhecia para reabastecer as esperanças e ganhar força para agüentar aquela dura rotina. Lembrava das palavras do velho pároco da infância “O Senhor foi pregado numa cruz para aliviar nossos pecados”, aquela era sua forma de expiação.
Foi acostumado a exigir pouco da vida, não ousava perguntar o porquê das coisas. Desconhecia seus direitos, não se sentia digno dos próprios sonhos, soavam-lhe vaidade e orgulho. Restringia suas possibilidades acreditando na recompensa divina. Não fazia a menor idéia, não se permitia conhecer seus sonhos, seus desejos. Era tão envergonhado que, às vezes, sentia-se culpado por ocupar espaço neste mundo, autoconhecimento então, era uma palavra que desconhecia.
Um dia, levado pelos amigos do trabalho, foi conhecer a noite da cidade grande. A simples menção das casas de Luz Vermelha - denominação que ouvia sorrateiramente dos mais velhos – o deixava apavorado. No entanto, esse era o destino da festança dos amigos. Era de se esperar que diante da situação se receasse, mas o desejo que vinha sendo reprimido pelo medo falou mais alto. Quando percebeu já havia atravessado a porta e agora não lhe restava opção à não ser seguir as orientações da senhora gorda e mal encarada que o recepcionou. Pagou e foi orientado a permanecer aguardando naquela pequena “ante-sala”. A mobília restringia-se a algumas mesas circulares, sustentadas por um pequeno pedestal circular fixado ao piso, o balcão onde estava o telefone e um longo sofá entre as mesas e a parede. A penumbra avermelhada logo o remeteu “aos pecados das casas da luz vermelha”, e sentiu um frio lhe percorrendo toda a coluna cervical. Perdia-se nestes pensamentos, quando foi interrompido para ser conduzido a um quarto com uma cama de casal e uma maca para massagens. Aguardou ali por alguns segundos, que lhe pareciam uma eternidade, Quanto entrou uma bela moça, com alguns potes de creme nas mãos.
“O que vai ser” ela perguntou, largando os potes sobre a maca. Sem tirar os olhos da moça, que vestia um minúsculo shortinho branco e uma miniblusa formando um belo conjunto. Inesperadamente agarrou-a pela cintura e a jogou na cama. Uma hora depois, saía de lá prometendo voltar em breve. Sentia-se tão bem que se despediu de algumas outras pessoas que estavam esperando atendimento, assim como ele estivera aguardando antes, com tanta naturalidade que impressionou a velha gorda que o acompanhou até a porta. Como prometera, acabou voltando inúmeras vezes, era o desejo que conforme ia sendo saciado, mais o corpo desejava, assim tornou-se um freqüentador constante. Aos poucos foi se permitindo a outros desfrutes, mas aquelas visitas foram fundamentais para despertar o processo de autodesenvolvimento. Com o passar do tempo sentia-se mais seguro de si, já conseguia enfrentar seus desejos com mais naturalidade. Havia encontrado no sexo uma forma de aliviar as gasturas e os dissabores da vida, mas queria fugir deste vicio. Foi com Ymalai, aquela mulher de blusinha e shortinho branco, que percebeu sua capacidade de suscitar uma volúpia incomum nas mulheres e, sobretudo elevou a auto-estima ao satisfazê-las.
Antes de conhecer Ymalai, desperdiçava toda sua energia para tentar conter seus desejos. A dedicação ao trabalho era a forma mais eficiente que havia encontrado para absorver seus desejos. A concentração era tanta que esquecia do almoço, das dores do corpo, de cuidar da própria vida. Entristecia-se com a chegada do final de semana, levava trabalho extra para a pensão e reaviva-se somente na segunda com a retomada do expediente. A dedicação era tanta que poderíamos dizer que um workaholic atual teria que trabalhar muito para alcançá-lo. Seus desejos básicos eram contidos como um produto radioativo, pois eram demasiadamente desmesurados, diante de seus princípios familiares. Agora o desejo o comandava, contava os minutos para acabar o expediente e quando seus encantos físicos não eram suficientes para atrair alguém que pudesse saciar seus desejos, recorria com naturalidade para Ymalai. Já não conseguia trabalhar como antes, as advertências do chefe eram freqüentes e às vezes temia pelo emprego. Vivia prometendo para a si mesmo que aquela seria sua ultima vez, mas como qualquer viciado, logo sucumbia ao desejo, realimentando o ciclo.
Mas aquela era a única forma que encontrara de reabastecer suas energias, o ambiente urbano havia lhe retirado o contato com a natureza, onde costumava energizar corpo e alma. A chuva límpida e cristalina que costumava lavar as impurezas da alma, enquanto labutava na lavoura, havia ficado para traz, assim como o contato dos pés com a terra que o energizava como se recarrega uma bateria do celular. O vento era seu companheiro e sua fonte de equilíbrio, se entendiam tão perfeitamente que nem precisava o meteorologista da rádio para anunciar a chuva, pois o amigo vento a anunciava com maior antecedência e precisão. Mas era na luz do sol que se sentia plenamente energizado para vida. Dependia dele, como uma frágil plantinha que precisa de seu calor para crescer. Mas este, ele só podia ver poucas vezes ao dia, rapidamente entre uma correria e outra. A jornada de trabalho era longa e o isolava de qualquer abertura para a luz natural. A luz artificial daquelas lâmpadas parecia sugar-lhe a energia mais que o esforço do trabalho. As orações das longas caminhadas, já não faziam o mesmo efeito e ia mesclando as visitas à “amiga” Ymalai na casa da luz vermelha. A televisão, adquirida através do longo crediário, ajudou algumas vezes, mas logo perdeu o encanto.
A esperança de sair deste circulo vicioso estava na jovem Stela. Mulher de postura requintada, educação nobre e coração generoso. Haviam iniciado um flerte há alguns meses. Ela demonstrava interesse, mas ele se sentia inferiorizado e, de repente toda aquela timidez parecia ter voltado e ele recuava.O tempo e a insistência de Stela acabaram por uni-los, e em poucos meses estavam casados. A Stela era uma mulher, linda, charmosa, destas que marcam presença em qualquer lugar. Uma esposa perfeita: sabia cuidar da casa e das necessidades do marido como poucas. Ela organizou a casa e formou-se em administração, enquanto ele apenas conseguira alcançar um posto de auxiliar administrativo. Era um sujeito da roça, avesso a livros, mal conseguia lidar com as quatro operações e não tinha nenhum desejo de aprender. Stela já não sabia como motivá-lo e sentia a separação batendo na porta. Não demorou e o temor de Stela virou realidade. Ela permaneceu na residência que havia construído e ele voltou para a velha pensão. Aquele início de inverno, com dias cinzentos e longas noites geladas, pareciam refletir o que se passava no intimo de Stela, diante da separação. Para ele, no entanto, era como se a estação já estivesse dado lugar à primavera, pois florescia no seu coração a certeza de se juntar a sua amada.
Ymalai já não trabalhava na antiga casa, e o desejo por ela ia aumentando, sentia o corpo ferver só de pensar nela. Após tanto implorar a velha e gorda senhora que gerenciava as meninas da casa da luz vermelha, conseguiu o telefone de Ymalai. Ela já havia abandonado a antiga atividade para entregar-se a um grande amor. Viva com Michele, um profundo caso de amor, que agora trabalhava como manicura num salão que atendia exclusivamente as antigas colegas de trabalho. A gerente do salão de beleza há muito tempo havia proibido o telefone celular durante o expediente, o que fazia com que no final do dia a caixa postal de Ymalai estivesse lotada de tantas mensagens de amor deixadas pelo apaixonado, que semanalmente entupia de fichas o telefone público em frente à pensão de tanto ligar para a amada. Ela por sua vez, adorava aquela insistência, às vezes até ficava um pouco irritada, já que muitas vezes teve que improvisar versões criativas para não despertar o ciúme da companheira Michele.
Iniciava-se a segunda metade do verão, o movimento do salão parecia haver migrado para a praia, a seqüência de dias quentes e abafados sufocavam qualquer iniciativa. Assim, a jovem manicura passava o dia, atirada na cadeira do cabeleireiro contemplando a própria beleza. Numa destas ocasiões, percebeu que o espelho refletia mais que sua beleza. Ali, imóvel e com um sorriso duplo estampando na cara, aquele homem parecia suplicar sua atenção. Precisou juntar as poucas forças que lhe restaram, para não desfalecer e imediatamente tentou agir naturalmente, mas não bastasse a visível perturbação, o fraco movimento do estabelecimento, possibilitou a todos os funcionários acompanharem com detalhes todos os acontecimentos que se desenrolavam. O que se percebia era uma tentativa desesperada da pequena jovem em tentar afastar aquele sujeito dali, o mais rápido possível, enquanto ela parecia um católico contemplando a virgem Maria em pessoa. Ela tanto fez, que conseguiu levá-lo para fora do são sem que ele falasse uma palavra sequer, parecia hipnotizado. Após assegurar-se que estava longe dos ouvidos dos colegas do salão, ela implorou para que ele a deixasse em paz, argumentando que aquele era o único trabalho “digno” que havia conseguido na vida, que se ele realmente a amava, então deveria afastar-se e deixá-la viver em paz. Ele continuava calado como um cachorrinho travesso diante do seu dono, apenas se fixava do seu olhar e lhe sorria trinta e dois dentes. Todos os argumentos já haviam sido ditos, mas o sorriso e a contemplação permaneciam iguais, até darem lugar a uma pequena frase:
- Ymalai, meu amor! Eu só precisava te ver.
Falou essas poucas palavras e se afastou lentamente, sem olhar para trás, enquanto ela desesperadamente procurava uma explicação convincente para os colegas e especialmente para Michele, a dedicada gerente.
Desde que ingressara na Igreja, nunca mais havia pedido o equilíbrio um só momento, em todos aqueles anos. Graças às pregações do pastor e as dedicadas leituras em busca da correta interpretação das palavras do livro sagrado, os acontecimentos externos não conseguiam afetar à harmonia interna, que ela atribuía ser regida pelo Divino. Porém aquela noite, a discussão se prolongou até a madrugada, já não tinha tanta certeza que o longo período de equilíbrio, do qual tanto se orgulhava realmente provinha do alto. Estava tomada pelo ciúme, sim, aquela interminável discussão com a amada companheira, era uma clara demonstração do imenso ciúme que estava sentindo. Sabia da pobreza deste sentimento, havia escutado com bastante atenção todos os sermões sobre este repugnante sentimento. Lembrava de cada palavra de repudio que o pastor proferira, quanto à presença deste “verme no coração do homem”, agora desesperadamente estava percebendo que o verme sempre estivera hibernado no seu coração, e naquele momento despertava com toda a fúria. Michelle estava vivendo seu maior conflito emocional, enquanto Ymalai percebeu estar diante de mais uma evidente declaração de amor, o que a tranqüilizou um pouco e lhe trouxe a serenidade necessária para encontrar as palavras adequadas, para por fim aquela longa discussão. Afinal, graças aquela mulher passara a viver uma vida de rainha naquela casa. Tomou a mão de Michele e colocou-a sobre o seu peito, mostrando-lhe o pulsar do coração e após alguns minutos aconchegaram-se sob os perfumados lençóis. O calor do encontro e dos corpos reacendeu a chama do amor e adormeceram embaladas pelo cansaço.
Assim que se afastou da Amada Ymalai, encontrou a ex-esposa, que surpreendentemente exibia ares de satisfação e felicidade. Sua consciência ficou ainda mais leve ao ouvi-la dizer que havia encontrado um novo amor e que estava nos caminhos do senhor. O encontro foi amistoso e até um pouco nostálgico. Despediram-se rapidamente, pois ela estava atrasada para o culto. Ele seguiu para o ponto de ônibus, tomado por um sentimento de satisfação e surpresa. A origem da satisfação era evidente, pois ver a ex-mulher feliz, era tudo que ele queria, afinal ele não a amava, mas lhe dedicava um imenso carinho e profunda admiração, no entanto estava com dificuldades em compreender a repentina mudança no comportamento de Stela. De repente parecia que aquela mulher materialista e ambiciosa havia mudado de personalidade. Era surpreendente vê-la ir à igreja, jamais poderia imaginar profunda transformação. De qualquer forma, sentia-se aliviado por saber que ela estava seguindo um novo caminho, no qual parecia haver encontrado felicidade. Disperso entre esses pensamentos, chegou ao final da linha e lentamente foi caminhado até a pensão, onde pretendia deitar-se e ouvir um pouco de música, deixando a mente liberta para sonhar com a amada Ymalai.
Os meses iam passando e quanto mais o tempo passava, maior ficava o desejo de estar com Ymalai. Sua vida tornou-se insuportável, sentia seu interior se corroendo pouco a pouco. Para aliviar dessa dor a alternativa era enviar-lhe flores e agrados com freqüência, apesar dela não dar qualquer sinal de receptividade. Nos dias em que o coração parecia rasgar-lhe o peito, tomava um ônibus e ia até o salão, no entanto não ousava entrar, apenas ficava passando pela frente observando-a pela vitrine. Quando era notado, a ex-gerente e agora sócia proprietária, juntamente com Ymalai, tratava de fechar a cortina impedindo-o de observar o interior do salão. Esses dias acabavam sempre com muita discussão entre as proprietárias, e cada vez mais Ymalai dava sinais de mais insatisfação, com as demonstrações de ciúmes de Michelle. As duas continuavam prosperando nos negócios e estáveis no amor, apesar das discussões e alguns comentários nostálgicos de Ymalai, quanto à relação com homens que deixavam Michele fervendo de ciúmes, preocupada com a felicidade da amada. Michelle tinha na fé um forte aliado, toda vez que percebia estar se entregando ao ciúme ia aconselhar-se com o pastor, que por sua vez falava-lhe do poder do amor, do amor incondicional, libertador. A repetição era a forma adotada pela igreja e conseqüentemente pelos conselhos do pastor, logo, Michelle foi absorvendo aquelas palavras como se fosse o único verdadeiro caminho a ser seguido. As crises de ciúme foram diminuindo e em pouco tempo já não se preocupava mais em fechar a cortina, para impedir que ele observasse Ymalai no interior do salão.
O amor tem seu lado depressivo quando não correspondido, mas também tem a possibilidade de ser um forte motivador. A convivência com a ex-mulher Stella, cuja ambição pelo materialismo eram a razão do seu viver, deixou alguns vestígios, além do fato de Ymalai tornar-se sócia do salão onde iniciara como manicura e cuja reputação estava cada dia mais em evidência, fez com que ele despertasse para a necessidade de crescer profissionalmente. O caminho foi à informática, uma paixão descoberta por acaso através dos jogos eletrônicos. Em pouco tempo ele conseguiu ser promovido à gerente de desenvolvimento. Logo em seguida a empresa foi incorporada por uma rede multinacional e sua carreira deslanchou, só não chegou a diretor presidente pela recusa em deixar o país, fato que de devia a impossibilidade de estar próximo a Ymalai. A resistência de Ymalai parecia dar sinais de fraqueza, pois nos seus passeios em frente ao salão, freqüentemente era correspondido com um sorriso, obviamente que sempre sob o olhar atento de Michelle. Michelle observava calada aquela cena, pois percebia em Ymalai uma crescente tristeza e já temia a separação, apesar de sentir que era amada, assim como sabia que o amor que lhe dedicava era reconhecido por Ymalai. A alegria de viver parecia estar abandonando a bela Ymalai, e isso era um peso que ia ficando cada dia mais insuportável para Michelle parecia que a única alternativa era “liberar” Ymalai para um novo amor, que certamente seria com aquele homem, cuja insistência até ela passou a admirar. Mas, a imensidão do seu amor era tão grande que só de pensar em ficar longe da amada, sentia uma dor insuportável no coração, uma dor equivalente a de ver a amada cada dia mais infeliz.
Mais uma vez foi aconselhar-se com o pastor e voltou decidida a acabar o relacionamento com Ymalai. Para demonstrar que seu amor era verdadeiro, resolveu fazer um jantar surpresa para a amada e convidar aquele com que rivalizava pelo amor de Ymalai. Assim que o constrangimento foi superado, ela declarou seu amor e sua dor por abandonar aquele relacionamento, sob o olhar calado de Ymalai e a evidente felicidade dele. Comovida, Ymalai, tomou a palavra em meio aos soluços e disse que jamais fora tão feliz quanto os dias que passara com Michelle e que se sentia profundamente ligada a ela, bem como desejava continuar ao seu lado como no primeiro dia em que se encontraram. Ela empalideceu e viu sua esperança abandoná-la tão rapidamente que parecia ter sido exorcizada. Ao ver a tristeza tomando conta do amado, ela dirigiu-lhe a palavra dizendo que ele era o que mais desejava na vida, que sua insistência e dedicação fizera com que aprendesse a amá-lo, bem como o quanto era freqüente, às vezes em que se percebia pensando naqueles encontros nada profissionais que tiveram quando trabalhava naquela antiga casa onde se conheceram. Dito isso, ela se calou e começou a chorar. Ele não sabia o que fazer, Michele parecia esperar por algum movimento dele. Repentinamente os dois se encontraram abraçando Ymalai e assim ficaram silenciosamente. Após algum tempo, os soluços de Ymalai foram dando lugar a um silêncio quase fúnebre, interrompido mais tarde pela respiração pausada do sono daquela amada mulher, que de tão exausta havia adormecido. Evidentemente a noite havia acabada e ele dirigiu-se à porta acompanhado por Michelle, que parecia transmitir-lhe no olhar um pedido de ajuda, afinal, tinha em comum o sofrimento da mulher amada. Calado, ele foi se afastando lentamente e consentiu com a cabeça quando ela disse que ligaria pela manhã para dar notícias.
A preocupação com Ymalai aproximou os rivais que aguardavam que ela melhorasse, pois desde aquela noite ela havia se recolhido no absoluto silêncio em relação ao assunto. Limitava-se a fazer suas atividades profissionais sem nenhum comentário pessoal e não deixava transparecer qualquer pensamento, apenas tristeza no olhar. A intensa atividade introspectiva fazia com que ela esquecesse da própria alimentação chegando a emagrecer alguns quilos, embora não deixasse de cumprir nenhum compromisso, incluindo os cultos com Michelle. Esta, por sua vez, não mais via nele um opositor ou qualquer ameaça a sua felicidade ao lado da amada, pelo contrário, agora ele representava um amigo, um apoio a suas preocupações, obviamente as mesmas dela, que eram o bem estar e a felicidade de Ymalai. Passaram a ter encontro quase que diários, voltados a encontrar alguma alternativa para tirarem sua amada daquela contagiante tristeza. Ele passou a freqüentar a casa das duas com freqüência e isso parecia agradar à pequena sofredora, que se demonstrava satisfeita com o bom relacionamento dos seus dois amores. Conforme a presença dele ia se tornando natural para todos, Ymalai foi melhorando, entretanto não demonstrava nenhuma abertura para o amor. Continuava a dividir a cama com Michelle sem nenhuma demonstração de afeto, era assim desde aquele o jantar.
Os ânimos se alternavam entre os dois que procuravam inutilmente demovê-la daquele estado, quando foram surpreendidos pelo convite da amada, para que todos se reunissem na casa das duas para um jantar. Ela mesma iria prepará-lo e para tanto não foi trabalhar naquele dia. Michele e ele trocaram vários telefonemas naquele dia, tentando prever o que ela estaria pretendendo, e não descartaram a possibilidade dela anunciar que se afastaria definitivamente dos dois. Temerosos foram ao jantar, no qual Ymalai parecia ter recuperado a antiga alegria e evidentemente esforçava-se em agradar os dois, servindo-os com cuidado e dedicação. Ela havia se esforçado em preparar o jantar. Os mínimos detalhes tinham sido pensados, desde a música até as velas demonstravam isso. Tudo perfeito, um verdadeiro jantar romântico, e os convidados tentam fazer transparecer satisfação e naturalidade, alternando elogios, hora a comida e a decoração, hora a beleza e disposição da anfitriã, mas verdadeiramente estavam tomados pela expectativa e curiosidade.
Ao término, Ymalai pedia para que todos se acomodassem no sofá, pois queria dizer algumas palavras, e assim começou:
-Sempre aprendi que dois é bom, mas três é demais. Assim vivi todos esses dias em conflito, pois a expressão é demais sempre teve um caráter negativo no meu entendimento. Acho que no de vocês também, não é?
Os dois acenaram positivamente e ela continuou:
- Pois eu agora acredito ter encontrado seu verdadeiro significado, e isto me deixou muito feliz, pois compreendi que “é demais” significa algo muito melhor que dois.
Michelle e ele olhavam-na fixamente sem nada compreenderem, enquanto ela abriu um enorme sorriso e prosseguia:
- Descobri que eu não podia ser feliz com Michelle, apesar de ter certeza que ela é parte do meu ser, assim como não conseguia apagar meu desejo de viver ao lado de Marco. Então percebi o que tudo sempre esteve diante de meus olhos - três é demais – Gente! Três é demais, e começou a rir compulsivamente, enquanto repetia; três é demais, três é demais, três é...
Querem saber de uma coisa? Nós temos o direito de sermos felizes. Eu amo vocês!
Falou isso e abraçou os dois que, perplexos permaneciam calados. Até explodirem em gargalhadas repetindo exaustivamente “três é demais, é demais...” E assim, entraram pela madrugada adentro se amando.
Acordaram com um sábado ensolarado e resolveram ir a igreja agradecer. Michelle cheia de felicidade queria agradecer pelos inúmeros conselhos, Marco iria se apresentar como o mais novo fiel, afinal agora seriam inseparáveis. Enquanto Michelle agradecia o pastor, Ymalai apresentou Marco a Bispa, a mais alta autoridade daquela igreja. Marco quase caiu pra traz, diante da surpresa, pois a bispa era nada mais nada menos que Stela, a ex-esposa materialista. Assim que ele se recompôs ela lhes deu as boas vindas e explicou que aquele tinha sido seu melhor investimento, pois em pouco tempo já havia espalhado filiais em várias cidades e, o melhor, tudo livre de impostos, com mão-de-obra voluntária e altos lucros. Marco estava feliz e sorridente, abraçou a amada Ymalai e juntos foram ao encontro de Michelle.

Jaìr A Paùlétto
Enviado por Jaìr A Paùlétto em 13/01/2009
Alterado em 21/01/2009
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